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A falha no fornecimento de energia elétrica e os direitos dos lojistas
A ocorrência de eventos climáticos extremos tem se tornado cada vez mais comum, e tem causado recorrentes interrupções no fornecimento de energia elétrica. No dia 11/10/2024 diversas regiões da Capital do Estado de São Paulo, entre outros locais, foram severamente atingidas e, com isso, muitos lojistas sofreram e sofrem prejuízos materiais e extrapatrimoniais.
Foram incontáveis os prejuízos aos lojistas atingidos pela interrupção do fornecimento de energia elétrica, como danos em equipamentos, interrupção na produção, e perda de alimentos e outros produtos que demandam refrigeração. Diversos empresários do varejo sofreram até mesmo a perda de credibilidade perante os clientes por não conseguir prestar os serviços ou entregar os produtos a que se comprometeram, tendo que paralisar suas atividades e deixado de auferir lucro no período em que estavam sem energia elétrica.
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Assim, é necessário analisar a responsabilidade das concessionárias de energia elétrica por falhas decorrentes de eventos da natureza, bem como qual medida judicial é cabível para indenizar, ao menos em parte, os prejuízos sofridos.
É incontestável que a relação entre a concessionária de energia e o consumidor é regulamentada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) que dispõe sobre o direito dos consumidores, especialmente a indenização e ressarcimento de danos quando houver a falha na prestação de serviços, conforme o artigo 22 daquela norma.[i]
Aliado ao dispositivo de lei supramencionado, temos a Resolução 1.000/21 da Aneel, que regula a Prestação do Serviço Público de Distribuição de Energia Elétrica. A referida resolução determina que a distribuidora deve restabelecer o fornecimento de energia em até 4 (quatro) horas, sem qualquer ônus ao consumidor. Deverá, inclusive, ser creditada ao consumidor a compensação pelo período com indisponibilidade do serviço, como dispõe o §1º, II, do artigo 362 da referida norma.[ii]
Tem-se, portanto, que responsabilidade da concessionária é objetiva, obrigando-a responder pelos danos que decorrem da falha na prestação de serviço, não sendo possível alegar caso fortuito para se eximir de qualquer responsabilidade.
Assim, ao sofrer prejuízo de ordem material, o consumidor deverá procurar imediatamente a concessionária prestadora e registrar a sua reclamação, anotando os números de protocolo, e identificando e demonstrando os danos sofridos, por meio de fotos, vídeos, documentos e notas fiscais.
E os Tribunais Brasileiros têm sido favoráveis à condenação das concessionárias, quando comprovados os prejuízos consequentes da falta de energia elétrica, condenando-as inclusive ao pagamento de danos morais, danos emergentes, e lucros cessantes, desde que comprovados pormenorizadamente, e desde que sejam diretamente decorrentes da demora no reestabelecimento da energia elétrica. Vejamos:
“PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. Suspensão ou interrupção do fornecimento de energia elétrica devido às chuvas fortes. Sentença de procedência do pedido. Apelação da ré. Preliminar de nulidade de sentença por cerceamento de defesa e ausência de fundamentação afastadas. Mérito. Falha na prestação de serviço. Responsabilidade objetiva da concessionária do serviço público. Excludente de responsabilidade (força maior) não comprovada pela ré. Fortuito Interno. Previsibilidade dos eventos climáticos no período de verão. Danos morais configurados. Negligência da ré que extrapola os limites da razoabilidade e do mero aborrecimento, constituindo conduta de natureza grave contra os direitos dos consumidores. Quantia mantida em R$ 4.000,00, pois se mostra compatível com as circunstâncias do caso em julgamento e é proporcional às consequências do fato e às condições dos ofendidos e do ofensor. Sentença integralmente mantida. RECURSO NÃO PROVIDO”.
(TJ-SP – Apelação Cível: 10949065620238260002 São Paulo, Relator: Carmen Lucia da Silva, Data de Julgamento: 26/06/2024, 33ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/06/2024)
Tem-se, portanto, que os Tribunais de Justiça vêm proferindo decisões que protegem o direito dos lojistas e consumidores, responsabilizando de forma objetiva as concessionárias a repararem os danos, sejam de ordem moral ou de ordem material.
Ressalta-se a necessidade de cada caso ser analisado de forma individual para que se adote a medida judicial mais adequada.
[i] Código de Defesa do Consumidor: “Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.”
[ii] Resolução 1.000/21 da Aneel: “Art. 362. A distribuidora deve restabelecer o fornecimento de energia elétrica nos seguintes prazos, contados de forma contínua e sem interrupção: I – 4 horas: para religação em caso de suspensão indevida do fornecimento; II – 4 horas: para religação de urgência de instalações localizadas em área urbana; III – 8 horas: para religação de urgência de instalações localizadas em área rural; § 1º Em caso de suspensão indevida: I – a contagem do prazo de religação inicia a partir da constatação da situação ou comunicação do consumidor e demais usuários, independentemente do dia e horário; e II – a distribuidora deve creditar ao consumidor e demais usuários a compensação disposta no art. 441.”
Imagem: Envato
*Talita Veloso Dias, advogada coordenadora do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
*Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Autor dos livros “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar”, São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising”, São Paulo, 2021, Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais, prefácio do Ministro Luiz Fux, na qualidade de colaborador. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Integrante da Comissão de Expansão e Pontos Comerciais da ABF – Associação Brasileira de Franchising. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) e em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atuou como Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ, MBA em Gestão em Franquias e Negócios do Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração e Pós-Graduação em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie.