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A culpa é dos arquitetos!
Conhecida como trade-dress, manobra engana clientes que acreditam estar consumindo produtos ou serviços de uma outra marca
O Brasil é reconhecidamente um país de empreendedores: aos montes, abrem seus negócios, seja para realizar um sonho de vida, cobrir a perda de um emprego ou como um investimento.
E, muito frequentemente, esse empreendedorismo, meio desorientado, prefere se “inspirar” em outros estabelecimentos, alguns porque os admira, mas algumas outras vezes, para imitar mesmo, pegando carona no sucesso alheio. A cópia, por vezes tão descarada, revela que a real intenção é a de desviar para si a clientela conseguida pelo original.
Essa manobra ardilosa, que tem como grande efeito enganar o consumidor, levando-o a acreditar estar consumindo produtos ou serviços de uma outra marca, é realizada pela imitação do que chamamos de conjunto-imagem ou trade-dress, como também é conhecida.
O conjunto-imagem, ou trade-dress, é a roupagem dada ao negócio: suas cores, seus móveis, sua logomarca, mobiliário, layout de loja, tudo disposto e criado de maneira a identificar aquele negócio específico. Ao adentrar o ambiente, sente-se o cheiro peculiar, juntamente com a iluminação, os móveis, as cores, revelando um conceito único e exclusivo de determinada marca. Esse é o chamado conjunto-imagem.
Esse conceito é muito bem elaborado e consolidado em países que possuem legislação específica sobre o assunto, mas, aqui no Brasil, ele ainda engatinha, especialmente quando analisado pelo viés da lei de concorrência, que relativiza a urgência do assunto e a sua relevância, incentivando, de certa forma, essa conduta parasitária.
É deixado para segundo plano justamente porque não há na lei, uma proibição específica a respeito do uso da cópia; a urgência é vista apenas quando o consumidor efetivamente passa a ser lesado. Mas a cópia pela cópia, infelizmente, é relativizada.
Críticas à parte, o presente artigo não tem como objetivo reclamar por uma lei – embora não fosse sem tempo – mas sim, tentar encontrar uma solução a curto prazo, para um problema real, ao menos, muito real nos sistemas de franquia no Brasil.
A proibição de concorrer depois que se desfaz o vínculo contratual é típica nos contratos de franquia. E é natural que seja assim, uma vez que o pressuposto que levou um franqueado a procurar uma franquia foi o achatamento da curva de aprendizagem, isto é, colar-se no conhecimento do franqueador para, assim, reduzir as chances de insucesso.
Pois bem. Embora natural e esperada, a cláusula muitas vezes é desrespeitada, não apenas com o aproveitamento daquilo que se aprendeu exclusivamente porque se firmou um contrato de franquia, mas muitas vezes pelo aproveitamento do conjunto-imagem do franqueador.
A frustração a respeito já foi revelada em linhas anteriores; o caso é levado ao judiciário e especificamente quando se trata do conjunto-imagem, a solução raramente é satisfatória.
Então, como ficamos?
Sob a perspectiva de um julgador, a análise de causas que envolvem temas da concorrência não podem ficar adstritas à letra da lei (ou a ausência dela); uma análise sistêmica deve ser realizada porque os efeitos muitas vezes não ficam somente entre as partes envolvidas, aliás, raramente fica, já que se faz negócios para um público quanto maior, melhor. (Law and economics).
Sob a perspectiva do empreendedor, e mesmo do advogado militante, nossa proposta é a de desafiar a concepção única do trade-dress, esquartejando-o em partes menores, estas sim, passíveis de registro. Imagine um mobiliário criado especificamente para aquela operação, distinta o suficiente para identificar determinada loja: estaremos diante da possibilidade do registro como um desenho industrial.
Logo, parte-se da ideia de que desde sua concepção, é uma necessidade intrínseca, juntar elementos distintivos ao projeto, muito além de um conceito útil e bonito, passando a compartilhar a responsabilidade do sucesso de um desfecho de uma ação judicial com o arquiteto, que passa a ter como missão criar elementos passíveis de registro.
Para isso, é preciso que os profissionais de arquitetura conheçam os institutos do Direito da Propriedade Industrial, porque, claro, a análise sistêmica não se dá apenas por um lado; o interesse pelo assunto pode fazer a diferença para os profissionais que desejam trabalhar para o setor do varejo em geral.
Se, como provoquei no título de meu artigo, a culpa pelas cópias do trade-dress não for dos arquitetos, que a solução dos problemas seja mérito do talento deles, afinal, esses profissionais são peça-chave no varejo e parceiros estratégicos das marcas.
Thais Kurita é advogada especializada em franchising e varejo, sócia da Novoa Prado Advogados
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