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Franquias e o dilema do marketing local: como resolver sem perder controle

Imagine a seguinte cena: uma franqueadora lança uma campanha nacional sofisticada, alinhada ao seu posicionamento de marca. Poucos dias depois, algumas unidades começam a divulgar versões “adaptadas” da ação com cores diferentes, textos improvisados e até promoções que não existiam no plano original.
O resultado? Ruído de comunicação, perda de consistência e, em alguns casos, desgaste com clientes que percebem contradições entre unidades da mesma rede. Esse é o dilema clássico do franchising quando falamos em marketing local.
E a pergunta que não quer calar é: como dar autonomia às unidades, que conhecem melhor suas regiões, sem comprometer o alinhamento estratégico e a padronização da marca? É o que veremos a seguir.
A importância (e o risco) do marketing local

O marketing local é essencial porque o consumidor não compra de uma “rede nacional”. Ele compra de uma unidade específica, na rua que frequenta, com pessoas que reconhece. Pesquisas recentes do Google (2024) mostram que 88% dos consumidores que realizam uma pesquisa local em seus smartphones visitam ou ligam para uma loja em até 24 horas. O impacto desse dado é enorme para as franquias, uma vez que estar presente de forma relevante na praça certa é tão importante quanto o branding nacional.
Porém, quando mal estruturado, o marketing local vira um campo minado. Falta de padrão visual, tom de voz desalinhado com a marca e ofertas não autorizadas pela rede enfraquecem a confiança do consumidor e corroem o valor da marca-mãe. É o que muitos chamam de “efeito colcha de retalhos”, onde cada unidade comunica de um jeito, e a rede deixa de ser percebida como uma marca única.
A equação do equilíbrio
O dilema se resolve quando a franqueadora entende que empoderar não é o mesmo que liberar sem critério. O segredo está em três pilares:
- Ferramentas centralizadas de fácil uso – Plataformas de gestão, de brand center ou bibliotecas digitais permitem que franqueados acessem peças prontas, editáveis e alinhadas ao branding. Assim, a unidade pode personalizar informações locais (endereço, telefone, promoções regionais) sem alterar a essência visual e verbal.
- Capacitação contínua – Treinamentos de marketing digital e guias de boas práticas ajudam franqueados a entender não apenas o “como”, mas o “porquê” da padronização. Quando o franqueado compreende que a consistência gera valor para todos, a adesão cresce.
- Monitoramento estratégico – Ferramentas de BI e auditoria de comunicação permitem que a franqueadora acompanhe o que está sendo divulgado localmente. Mais do que fiscalizar, trata-se de gerar inteligência de mercado para identificar boas práticas regionais e, quando fizer sentido, escalá-las para toda a rede.
Um novo olhar: do controle à co-criação

O futuro do marketing no franchising passa por uma mudança de mentalidade. Deixar de enxergar o marketing local como uma ameaça e começar a vê-lo como uma oportunidade de co-criação.
Unidades franqueadas trazem insumos valiosos como insights de consumo, linguagens culturais e movimentos sociais locais que enriquecem a narrativa da marca. Quando bem direcionados, esses inputs podem fortalecer campanhas nacionais, tornando-as mais diversas e conectadas ao Brasil real.
Franquias que tratam o marketing local apenas como risco acabam sufocando a inovação e perdendo relevância no ponto de venda. Já aquelas que estruturam processos, oferecem ferramentas e constroem confiança com os franqueados conseguem transformar esse dilema em diferencial competitivo.
O desafio, portanto, não é escolher entre controle ou autonomia, mas construir um modelo em que ambos coexistem de forma estratégica. Esse é o caminho para criar marcas fortes, consistentes e, ao mesmo tempo, vivas na realidade de cada mercado local.
Imagens: iStock
(*) Alexandre Goto é sócio-fundador da Dennova Marketing, empresa especializada em Marketing Digital para Expansão de Franquias, e do Portal Elup, um sistema SaaS voltado para a comunicação, gestão de fluxos e automação de processos entre Franqueadoras e Franqueados. Com MBA em Analytics e Inteligência Artificial pela FIA Business School, Alexandre atua há mais de 12 anos no mercado de franquias e é o atual Coordenador da Comissão de Transformação Digital da ABF (Associação Brasileira de Franchising), contribuindo ativamente para a inovação no setor.