Operação
Inclusão no autoatendimento em supermercados: como fazer?
Com a crescente digitalização do varejo, os terminais de autoatendimento passaram a ocupar a maior parte dos supermercados brasileiros. Embora promovam agilidade e eficiência operacional, essas tecnologias ainda apresentam barreiras para consumidores com deficiência ou limitações motoras, visuais, cognitivas e até mesmo para idosos, não pensando na inclusão.
Segundo o Censo Demográfico 2022 do IBGE, mais de 14 milhões de brasileiros com dois anos ou mais vivem com algum tipo de deficiência. “Ignorar suas necessidades é ignorar uma parcela significativa do mercado”, ressalta a especialista.
Para Patricia Cotti, sócia-diretora do Ecossistema Goakira, o ambiente de loja, desde sua concepção, é estruturado com base em padrões que muitas vezes ignoram as necessidades específicas de uma parcela significativa da população. “No que tange aos terminais de autoatendimento, consumidores com deficiência visual enfrentam obstáculos como fontes pequenas, baixo contraste, ausência de leitores de tela e falta de feedback tátil ou sonoro adequado”, destaca.
Para pessoas com deficiência motora, a altura fixa dos terminais, botões pequenos e telas que exigem precisão dificultam o uso. Já consumidores com limitações cognitivas enfrentam interfaces complexas e instruções pouco claras, o que pode gerar confusão, ansiedade e sensação de fracasso diante de um processo pensado para ser simples.
Ideias para tornar o atendimento inclusivo
Diante do desafio, Cotti defende que equilibrar eficiência operacional e inclusão não deve ser visto como uma escolha estratégica, mas como uma necessidade social. A resposta começa na adoção do “Design Universal”, uma abordagem que propõe a criação de produtos e ambientes acessíveis para todos os grupos desde a origem.
“É essencial oferecer múltiplas formas de atendimento, como caixas convencionais e prioritários com suporte humano, além de interfaces simplificadas nos terminais”, afirma. Para ela, o suporte humano na área de autoatendimento precisa ir além do monitoramento para evitar perdas — deve ser empático e preparado para atender com respeito diferentes públicos.
O mercado varejista já começa a explorar soluções mais inclusivas. Entre as tecnologias promissoras, Cotti destaca os comandos de voz, interfaces personalizáveis, teclados físicos adaptados, terminais com altura ajustável e sistemas de pagamento por aproximação. “A integração com leitores de tela e aplicativos de acessibilidade é essencial para pessoas com deficiência visual, por exemplo”, pontua.
Ela ressalta que o caminho para um autoatendimento realmente acessível passa por tornar essas soluções viáveis financeiramente, além de incorporá-las como o padrão, e não mais como um diferencial isolado.
O papel humano na inclusão
“Tecnologia, por si só, não garante a inclusão. Por vezes, ela a limita”, alerta Cotti. A capacitação das equipes e a sinalização clara e multissensorial são fundamentais para uma experiência positiva. “Os colaboradores precisam ser treinados não só para operar os terminais, mas para lidar com diferentes perfis de consumidores com empatia e respeito.”
Sinalizações com contraste adequado, pictogramas universais e instruções acessíveis — inclusive em áudio — podem transformar a experiência de quem entra em um supermercado com receio de não conseguir se orientar ou concluir uma compra sem ajuda.
Considerando que os supermercados são parte do varejo vital para a sobrevivência de cada um, destaca-se a importância da inclusão nestes locais. “As redes de supermercado devem liderar pelo exemplo, exigindo de fornecedores soluções acessíveis e promovendo a inclusão como prática padrão. A colaboração com pessoas com deficiência e especialistas em acessibilidade é essencial nesse processo”, ressalta Cotti.
Exemplos positivos
Cotti destaca que a acessibilidade no Brasil ainda é tímida, porém, em outros países já é possível ver exemplos de sucesso. “No exterior, redes como a Tesco no Reino Unido e a Coles na Austrália têm se destacado. A Tesco investe em treinamento sobre demência e autismo e revisou a usabilidade de seus terminais com foco em acessibilidade. A Coles implementou a ‘Quiet Hour’ (Hora Silenciosa) em muitas lojas, reduzindo estímulos sensoriais para beneficiar clientes com autismo, por exemplo. No Japão, devido à população envelhecida, muitos varejistas já incorporam designs mais amigáveis aos idosos em seus terminais.”
Imagem: Freepik