Web Summit Lisboa 2025
Joseph Gordon-Levitt defende que criadores devem ser donos de sua identidade digital
O ator, cineasta e empreendedor Joseph Gordon-Levitt subiu ao palco do Web Summit Lisboa 2025 para uma conversa com Jennifer Cunningham, editora-chefe da Newsweek, sobre propriedade digital, IA generativa, direitos autorais e o futuro da criatividade em um mundo dominado por algoritmos. A sessão, intitulada “Your digital self should belong to you”, trouxe críticas diretas ao atual modelo econômico das big techs e um apelo para que governos assumam um papel ativo na regulação da IA.
Logo no início, Gordon-Levitt comparou o ambiente digital atual a um sistema feudal. Para ele, criadores de conteúdo, de artistas a jornalistas, estão “construindo suas casas em terrenos alugados”, sujeitos às plataformas que controlam distribuição, monetização e as regras do jogo. “Você não possui sua audiência. O algoritmo pode mudar amanhã, o conteúdo pode ser removido, e nada disso pertence a você”, afirmou. Assim como no passado os servos não tinham direito à terra, ele defende que o mundo digital também precisa de uma transformação estrutural, onde cada indivíduo seja dono de seus dados, voz, conteúdo e identidade digital.
O debate avançou para a necessidade urgente de proveniência de dados: um sistema capaz de rastrear, creditar e compensar quem produz o conteúdo que alimenta as IA generativas. “Não existe inteligência dentro dos modelos, além da inteligência humana que os treinou. Eles são construídos com o trabalho de milhões de pessoas — escritores, músicos, programadores, jornalistas. Se essas empresas ganham dinheiro com esse trabalho, elas deveriam compartilhar esse dinheiro”, disse.
Cunningham, que vive esse dilema no setor jornalístico, reforçou a complexidade do tema. “Queremos que nosso conteúdo seja amplamente lido e usado para treinar modelos. Isso é o futuro. Mas queremos ser compensados por isso. Nossa indústria enfrenta enormes desafios, e precisamos de acordos que valorizem o trabalho jornalístico”, afirmou.
Gordon-Levitt criticou os acordos fechados entre grandes empresas de mídia e empresas de IA que funcionam como “buyouts únicos”, apagando anos de uso não remunerado de conteúdo. Para ele, a solução deve ser um sistema contínuo de remuneração, em que cada modelo identifique qual dado contribuiu para qual saída gerada e compartilhe a receita proporcionalmente.
Ele também rejeitou o argumento frequente no Vale do Silício de que é preciso sacrificar compensação justa e transparência para “competir com a China” na corrida pela IA. “Isso é um mito”, disse. “Não estamos em uma corrida nuclear como o Manhattan Project. Os avanços em IA acontecem de forma gradual, não haverá um ‘momento Hiroshima’. Não precisamos aceitar um futuro distópico e antiético para competir com ninguém.”
Ao longo da conversa, Gordon-Levitt defendeu a necessidade de regulação pública. Para ele, é ingênuo acreditar que o setor privado, sozinho, priorizará o bem comum. “Empresas não podem ser responsabilizadas por proteger o interesse público: elas são desenhadas para priorizar o lucro. Por isso temos leis. Há regras para alimentos, medicamentos, aviões, bancos. A IA não pode ser exceção.”
Sobre o futuro da criatividade, o ator foi otimista. Ele celebrou o potencial das ferramentas generativas para democratizar a produção audiovisual e permitir que jovens de qualquer parte do mundo criem conteúdo com qualidade profissional. Mas reforçou que isso só será positivo se a base do sistema for justa. “Se dois adolescentes fizerem um filme incrível com IA, ótimo. Mas se esse filme gerar dinheiro, todos os artistas cujos trabalhos treinaram aquela IA também devem ser compensados.”
Encerrando a sessão, Gordon-Levitt falou sobre o que considera realmente valioso no avanço tecnológico: preservar e amplificar a criatividade humana. “Quando vejo meus filhos criando, percebo o que realmente importa. Não podemos construir máquinas que transformem as pessoas em números. A tecnologia deve expandir nossa capacidade de imaginar, criar e sentir. Esse é o futuro pelo qual vale lutar.”
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Imagens e informações: Vanessa Romanello, embaixadora do MBA USP/Esalq
