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O futuro na prateleira: Como as tendências da NRF 2025 redefinirão a experiência dos supermercados

A NRF (National Retail Federation) Big Show, realizada anualmente em Nova York, é o epicentro global das discussões sobre o futuro do varejo. O evento de 2025, que ocorreu de 12 a 14 de janeiro, reafirmou seu papel como termômetro das grandes transformações que moldarão o consumo e o comércio nos próximos anos. Embora as discussões abranjam todos os segmentos, seus insights são particularmente cruciais para o setor de supermercados, que opera com margens apertadas, alta concorrência e a necessidade constante de atender às expectativas crescentes de um consumidor cada vez mais informado e surpreendente.
O setor de supermercados enfrenta uma pressão multifacetada: a otimização de custos e operações, a demanda por conveniência e personalização que se intensifica a cada dia, e a crescente preocupação com a sustentabilidade e a origem dos produtos. Nesse cenário dinâmico, a NRF 2025 trouxe insights cruciais para a transformação dos supermercados, destacando que o caminho para o sucesso reside na integração inteligente de inovação, experiência, personalização, humanização, equilibrando tecnologias de ponta (high-tech) com o toque humano essencial (high-touch). O supermercado do futuro não será apenas um local de compra, mas um centro de relacionamento, eficiência e responsabilidade.
Principais Tendências da NRF 2025 e seu Impacto no Segmento de Supermercados
As discussões e inovações apresentadas na NRF 2025 apontam para um supermercado que transcende a transação básica, focando na jornada do cliente, na eficiência operacional e na sustentabilidade.
- Inteligência Artificial e Personalização Hiperlocal: Do Carrinho ao Paladar
A Inteligência Artificial (IA) emergiu como o motor central da personalização e da otimização operacional, permeando cada aspecto da cadeia de valor do supermercado. A capacidade da IA de processar e analisar vastos volumes de dados em tempo real está redefinindo a forma como os varejistas interagem com seus clientes e gerenciam seus estoques.
- Recomendações Personalizadas: A IA vai muito além das sugestões genéricas. Ela analisa o histórico de compras de cada cliente, suas preferências dietéticas, restrições alimentares, hábitos de consumo e até mesmo dados de saúde (com consentimento formal e prévio) para sugerir produtos, receitas complementares e ofertas ultrassegmentadas. Imagine um aplicativo de supermercado que não apenas lembra que você compra café, mas sugere uma nova marca de torra média com base nas suas últimas compras de pão integral e manteiga, ou que envia uma receita de jantar com todos os ingredientes que você precisa, sabendo o que já tem na despensa. Isso eleva a conveniência e o valor percebido pelo cliente.
- Gestão de Estoque e Preços Dinâmicos: A IA é fundamental para otimizar o abastecimento e minimizar perdas, especialmente de perecíveis. Algoritmos preditivos utilizam dados históricos de vendas, sazonalidade, promoções, eventos locais e até mesmo o clima para prever a demanda com uma precisão sem precedentes. Isso permite ajustar os pedidos aos fornecedores, reduzir o desperdício de alimentos frescos e aplicar preços dinâmicos em tempo real, maximizando a rentabilidade e a disponibilidade. Supermercados podem, por exemplo, reduzir o preço de produtos próximos ao vencimento automaticamente via etiquetas eletrônicas, ou otimizar a compra de frutas e vegetais para que cheguem na loja no pico de frescor, reduzindo perdas e garantindo a qualidade.
- Layout de Loja Otimizado: A IA pode analisar o fluxo de clientes dentro da loja, utilizando dados de câmeras e sensores para identificar os corredores mais visitados, os “pontos quentes” e os “gargalos”. Com base nesses insights, o layout da loja pode ser ajustado para maximizar vendas, melhorar a navegação do cliente e otimizar a exposição de produtos. Isso pode envolver a realocação estratégica de categorias populares ou a criação de “caminhos de descoberta” que incentivam a compra por impulso.
- Experiência do Cliente Imersiva e Conveniência Omnichannel: Além da Compra
A NRF 2025 reforçou a premissa de que a experiência é o novo campo de batalha do varejo. Para os supermercados, isso se traduz na fusão inteligente do físico com o digital, criando uma jornada de compra sem atritos e enriquecida em todos os pontos de contato. O foco é transcender a simples transação, oferecendo valor e praticidade.
- Lojas Conceito e Espaços Experienciais: O supermercado tradicional está evoluindo para se tornar um destino multiuso. Lojas conceito incorporam espaços para aulas de culinária, degustações de vinhos e queijos, cafés aconchegantes, ou até mesmo pequenas clínicas de saúde e bem-estar. A ideia é transformar a ida ao supermercado em uma experiência agradável e envolvente, onde o consumidor pode aprender, socializar e resolver múltiplas necessidades em um só lugar. Exemplos como o Wegmans nos EUA, que integra restaurantes e áreas de convívio, são referências dessa tendência.
- “Scan & Go” e “Cashierless Stores”: A otimização do tempo do cliente é uma prioridade. Tecnologias como o “Scan & Go” (onde o cliente escaneia os produtos com seu smartphone enquanto compra) e as “Cashierless Stores” (lojas sem caixa, como as da Amazon Go/Fresh) eliminam as filas e agilizam o processo de checkout. Essas soluções, impulsionadas por visão computacional e IA, permitem uma experiência de compra fluida e instantânea, respondendo à demanda por conveniência e eficiência.
- Click & Collect e Dark Stores: A integração perfeita entre o online e o offline é vital. O “Click & Collect” (comprar online e retirar na loja) e as “Dark Stores” (lojas que funcionam como centros de distribuição exclusivos para pedidos online, sem atendimento ao público) são estratégias que agilizam as entregas e a disponibilidade de produtos. Elas permitem que os supermercados otimizem a logística da última milha, oferecendo opções de retirada e entrega flexíveis que se adaptam ao estilo de vida do consumidor moderno.
- Sustentabilidade e Rastreabilidade Alimentar: O Consumidor Conscientizado
A Economia Circular e a agenda ESG ocuparam um papel importante nas discussões da NRF 2025. Para os supermercados, isso significa um compromisso inegociável com a transparência, a responsabilidade ambiental e social em toda a sua cadeia de valor, respondendo a um consumidor muito mais consciente e exigente.
- Redução de Desperdício: A implementação de tecnologias e processos para minimizar o descarte de alimentos, desde a fazenda até a prateleira, é uma prioridade. Isso inclui sistemas de previsão de demanda mais precisos, parcerias com bancos de alimentos para doação de excedentes e aplicativos que conectam consumidores a produtos próximos ao vencimento por preços reduzidos. O foco é combater o desperdício alimentar, que tem impactos econômicos e ambientais significativos.
- Embalagens Sustentáveis: Há uma crescente pressão por embalagens reutilizáveis, recicláveis, compostáveis ou biodegradáveis, com um foco claro na redução do uso de plástico. Supermercados estão explorando estações de recarga para produtos a granel (grãos, óleos, produtos de limpeza), incentivando os clientes a trazerem seus próprios recipientes, e investindo em materiais inovadores que minimizem o impacto ambiental.
- Blockchain na Cadeia de Alimentos: A tecnologia blockchain está sendo cada vez mais utilizada para garantir maior transparência e rastreabilidade da origem dos produtos. Ao escanear um QR code em um produto, o consumidor pode acessar informações detalhadas sobre sua jornada, desde a fazenda de origem, métodos de cultivo, certificações de bem-estar animal, até as datas de processamento e transporte. Isso garante segurança alimentar, ética na produção e combate a fraudes, construindo confiança com o consumidor.
- Produtos Locais e Orgânicos: A demanda por produtos de origem conhecida, produzidos localmente e com menor impacto ambiental continua em alta. Supermercados estão expandindo suas parcerias com produtores locais e ampliando a oferta de produtos orgânicos e certificados, respondendo não apenas a uma preferência de consumo, mas também a um movimento por cadeias de suprimentos mais curtas e sustentáveis.
A NRF 2025 consolidou a Economia Circular como um dos pilares mais estratégicos para o futuro do varejo, estendendo-se muito além das discussões genéricas de sustentabilidade para focar na minimização de resíduos e na maximização do valor dos recursos. No segmento de supermercados, onde o volume de produtos e embalagens é gigantesco e o desperdício alimentar um desafio persistente, a adoção de princípios circulares torna-se imperativa, redefinindo desde a origem dos produtos até o destino pós-consumo. O foco não é apenas reduzir o impacto, mas gerar valor ao longo de todo o ciclo.
- Minimização e Valorização de Resíduos Alimentares (Upcycling): A Economia Circular no supermercado começa com uma abordagem holística ao desperdício alimentar. Não se trata apenas de reduzir o descarte, mas de “valorizar” o que antes seria considerado lixo.
- Impacto no Supermercado: Implementação de programas de venda de produtos “imperfeitos” ou “feios mas bons” (frutas e vegetais com pequenas imperfeições estéticas, mas perfeitamente consumíveis), evitando que sejam descartados. Além disso, parcerias com indústrias para o upcycling de alimentos, transformando excedentes ou subprodutos em novos produtos (ex: pão velho em cerveja, cascas de frutas em snacks, resíduos de café em cosméticos ou fertilizantes). O foco é reintroduzir materiais no ciclo produtivo, gerando valor econômico e ambiental.
- Sistemas de Embalagens Reutilizáveis e Refil: Um dos maiores focos da Economia Circular no varejo é a ruptura com o modelo de embalagens de uso único. Supermercados estão sendo pressionados a liderar a transição para alternativas mais duráveis e eficientes.
- Impacto no Supermercado: Expansão de seções a granel para grãos, massas e produtos secos, permitindo que os clientes tragam suas próprias embalagens. Instalação de estações de refil para líquidos, como produtos de limpeza, óleos comestíveis, azeites e, em alguns casos, até mesmo laticínios ou bebidas. Desenvolvimento e parceria com sistemas de embalagens retornáveis e padronizadas, onde o cliente paga um depósito pela embalagem e o recupera ao devolvê-la limpa para reuso em um ciclo fechado.
- Produtos como Serviço e Consumo Compartilhado (Indireto): Embora mais comum em outros setores (como moda ou eletrônicos), o conceito de “produto como serviço” pode inspirar modelos indiretos em supermercados.
- Impacto no Supermercado: Foco na venda da “função” do produto, e não apenas do produto em si. Isso pode se traduzir em aluguéis de equipamentos de cozinha raramente usados (ex: máquina de fondue, churrasqueira elétrica portátil) ou kits de refeição com porções exatas para minimizar o desperdício em casa. O supermercado pode se tornar um hub para o consumo mais consciente e compartilhado.
A Economia Circular não é apenas uma tendência, mas uma estratégia de negócio que gera resiliência, inovação e um relacionamento mais profundo com o consumidor. Na NRF 2025, ficou claro que os supermercados que abraçarem esses princípios serão os líderes na construção de um sistema alimentar mais sustentável e eficiente.
- Automação e Otimização da Cadeia de Suprimentos: Eficiência Invisível
Nos bastidores, a automação e o uso intensivo de dados estão revolucionando a logística e a cadeia de suprimentos dos supermercados. A NRF 2025 mostrou que a eficiência operacional é alcançada através de investimentos em tecnologia que otimizam desde o recebimento de mercadorias até a entrega final ao consumidor.
- Robótica em Centros de Distribuição: Robôs e sistemas automatizados estão transformando os centros de distribuição. Eles manuseiam, selecionam, movem e preparam pedidos com uma velocidade e precisão que superam a capacidade humana, especialmente em ambientes refrigerados. Isso reduz custos operacionais, minimiza erros e acelera o tempo de reposição nas lojas. A palestra de Walmart e NVIDIA na abertura da NRF 2025, por exemplo, destacou como tecnologias avançadas como gêmeos digitais e robótica impulsionada por IA estão sendo usadas para otimizar armazéns e o fluxo de produtos.
- Last-Mile Delivery Otimizado: A entrega da “última milha” – do centro de distribuição até a porta do cliente – é um dos maiores desafios logísticos. O uso de IA para roteirização inteligente de entregas, considerando tráfego em tempo real, janelas de entrega e otimização de combustível, é fundamental. Além disso, a experimentação com drones (em cenários específicos e regulamentados) e veículos autônomos está avançando para reduzir custos e tempos de entrega, tornando o serviço mais competitivo e eficiente.
- Previsão de Demanda Aprimorada: Algoritmos complexos de IA agora consideram um leque muito maior de variáveis – eventos locais, feriados, promoções de concorrentes, clima, e até mesmo tendências de redes sociais – para prever com maior precisão o que o consumidor vai querer, e quando. Essa precisão reduz significativamente as rupturas de estoque (produtos que faltam na prateleira) e o excesso de estoque, otimizando o capital de giro e garantindo a satisfação do cliente.
- O Novo Papel da Loja Física e o Funcionário Aprimorado: Do Atendente ao Consultor
Apesar do avanço do e-commerce, a NRF 2025 reafirmou a relevância da loja física, mas com um papel transformado. Ela se torna um ponto de contato estratégico para a experiência do cliente e para o suporte às operações digitais, e o funcionário, um elo crucial nesse novo ecossistema.
- Lojas como Hubs Multiuso: A loja física não é mais apenas um ponto de venda. Ela se transforma em um hub multifuncional: centro de coleta de pedidos online (click & collect), ponto de devolução de e-commerce, e espaços para experiências, como as já mencionadas aulas de culinária ou degustações. Algumas lojas podem até integrar pequenos centros de saúde ou espaços de coworking, maximizando o valor do metro quadrado e atraindo mais visitantes.
- Funcionário como Facilitador Tecnológico: A automação de tarefas repetitivas libera o funcionário para focar em atividades de maior valor. O funcionário do supermercado do futuro será um facilitador tecnológico, treinado para operar novas ferramentas digitais (tablets para consulta de estoque e informações de produtos, ferramentas de IA para atendimento ao cliente) e auxiliar os clientes no uso das novas tecnologias de autoatendimento.
- Foco em Habilidades Humanas: Com a tecnologia assumindo o trabalho braçal e repetitivo, o papel humano ganha uma nova dimensão. O funcionário se torna um “consultor” ou “host”, focado no relacionamento e na experiência do cliente. Habilidades como empatia, comunicação, resolução de problemas e capacidade de construir relacionamentos tornam-se primordiais. Eles são a “face” humana do supermercado, capazes de oferecer um serviço personalizado e memorável que a tecnologia, por si só, não pode replicar.
Desafios e Oportunidades para Supermercados
A jornada de transformação apresentada na NRF 2025 não é isenta de desafios, mas as oportunidades superam-nos amplamente:
- Desafios: O custo de investimento em novas tecnologias, a necessidade de requalificação e capacitação da força de trabalho para lidar com novas ferramentas, a garantia da segurança e privacidade dos dados dos clientes, e a complexa integração de sistemas legados com novas soluções.
- Oportunidades: A fidelização de clientes através de experiências personalizadas e convenientes, o aumento significativo da eficiência operacional e a redução de custos, a abertura de novas fontes de receita através de serviços inovadores, a diferenciação competitiva em um mercado saturado e a construção de uma marca mais resiliente e relevante frente às mudanças do consumidor.
Conclusão: Navegando na Próxima Era do Varejo Alimentar
A NRF 2025 foi um grande evento, um verdadeiro marco, não apenas confirmando a aceleração da revolução tecnológica no varejo, mas também enfatizando que, no centro de tudo, está o ser humano – tanto o cliente quanto o funcionário. Para os supermercados, os insights trazidos do evento são um chamado à ação. A adaptação não é mais uma opção, mas uma necessidade estratégica para permanecer relevante, satisfazer as novas demandas do consumidor e prosperar no cenário competitivo do varejo alimentar.
O supermercado do futuro será um ecossistema complexo e interconectado, onde a inteligência artificial otimiza cada processo, a automação garante eficiência, e a sustentabilidade é um valor intrínseco. No entanto, o verdadeiro diferencial estará na capacidade de integrar toda essa tecnologia de forma transparente, aprimorando a experiência humana e construindo relacionamentos duradouros. Aqueles que souberem equilibrar o high-tech com o high-touch serão os protagonistas na prateleira do futuro.
Imagem: Envato
Integrante da Delegação Central do Varejo para a NRF 2026, Jorge Inafuco convida você a participar dessa missão internacional que conecta líderes do varejo às principais tendências globais do setor: https://lp.centraldovarejo.com.br/nrf-ny-2026
(*) Jorge Inafuco é sócio-diretor da empresa LEADERS LAB TREINAMENTO & CONSULTORIA EMPRESARIAL, consultor, palestrante e professor da HSM Educação Executiva e do MBA FIA. Expert em Varejo com mais de 35 anos de experiência, foi diretor de Retail & Consumer da PwC, do Grupo Carrefour e do Grupo Pão de Açúcar. Além de já ter atuado nas áreas de planejamento, inteligência competitiva, inovação, transformação digital, marketing, gestão comercial, gerenciamento de categorias, finanças, business plan, M&A e treinamento e desenvolvimento organizacional.