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Qual o papel da área de compras ou área comercial?

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É provável que ao ler esta pergunta a considere óbvia. Mas acredite, tenho ouvido esta pergunta de alguns gerentes e até de diretores da área de compras. É possível que os compradores também estejam com esta mesma pergunta na cabeça, mas não tem a coragem de fazê-la.

Eu já abordei este tema de outra perspectiva, mas retorno aqui para fazer uma provocação: você, que exerce um papel de liderança, tem se reunido com suas equipes e conversado sobre as transformações da sociedade, comportamento do shopper, concorrência, relações com a indústria e a comunidade em geral e o impacto na área de compras?

Parece óbvio demais? Posso te afirmar que não é óbvio e, na correria do dia a dia, há profissionais da área de compras que não estão tendo tempo para avaliar o contexto, entender a situação. As pessoas não olham para as situações da mesma perspectiva. Cada ser humano tem seus valores, suas crenças, dão sentidos e significados diferentes para aquilo que escutam e vivenvienciam, com base sua história de vida, sua experiência, um jeito único de olhar para o mundo e reagir ou agir diante dele. Há profissionais que estão dentro do “ônibus” chamado área de compras, mas não são os motoristas. Estão repetindo comportamentos que aprenderam e foram ótimas respostas para situações que se tornaram mais complexas e que exigem um novo olhar, uma nova resposta.

O líder precisa assumir o papel de coach da equipe para inspirá-los e dar motivos para a ação (motivação) e transformação.

É provável que essa situação esteja acontecendo com vários profissionais da área porque a sua formação foi prática. Começaram junto com os donos, muitos durante o período inflacionário onde preço e quantidade predominavam nas negociações, operando um único formato de loja, praticando preço único, entre outros. Junto com os donos, esses profissionais construíram uma história de sucesso que merece o respeito de todos. São histórias de superação e que inspiram a todos.

Nesta trajetória de sucesso, é provável que enquanto líder você tenha tido e continua tendo a oportunidade de conversar sobre os desafios com outros líderes, e a convite dos fornecedores, participar de eventos e cursos no Brasil e no exterior, ler determinados livros, participar de debates, etc. Com esse conhecimento e uma visão do todo, é provável que você esteja revendo a estrutura da organização, incorporando um time de gerenciamento por categorias, de pricing, supply chain & logística, trade marketing, inteligência comercial e por aí vai. Afinal, o negócio ficou mais complexo operando com  assistência farmacêutica, diferentes canais de vendas como e-commerce, vendas pelo WhatsApp, redes sociais… O mix está mais complexo, a comunicação é feita em diferentes canais e de diferentes formas, precificar exige novos conhecimentos, a concorrência mudou. Enfim, o modelo de negócio mudou, tudo mudou!

Perguntas que não querem se calar

Essas são ações muito importantes, mas há perguntas que não querem se calar: você pelo menos compartilhou com o seu time as razões de suas inquietações, sua visão de futuro e o que levou você a tomar tais decisões? Você falou para as equipes os benefícios que você visualizou ao criar essas funções? Você dedicou um tempo para praticar a escuta ativa e saber o que a equipe de compras pensa disso e quais são as suas preocupações? Você dedicou um tempo para redefinir objetivos, papéis e responsabilidade das áreas envolvidas? A lista de perguntas poderia ser ampliada, mas se para alguma pergunta você respondeu que não, a minha sugestão é você dedicar um tempo para pensar no assunto.

Você sabe, vivemos um momento de transição na sociedade, o que nos força a sair da zona do conforto, revermos nossas crenças, verdades, comportamentos e hábitos que construímos ao longo dos anos. Isso nos deixa inseguros e ansiosos. Não é fácil para nenhuma pessoa e o medo pode nos paralisar ou nos levar ao conflito para proteger o nosso “território”. Teoria? Com certeza não. Tenho me deparado com essa situação porque estamos falando de gente.

Mas o que fazer?

Se você está pensando em implementar uma área e ainda não o fez, a minha sugestão é envolver as pessoas nesse processo. Compartilhe sua inquietação, o que tem te tirado o sono, o caminho que você imaginou. Construa em conjunto com as pessoas uma visão de futuro no qual todos se beneficiarão com esta nova área ou áreas. Envolva-as na construção, dê elas a oportunidade de sonhar e construir juntos o futuro da empresa e delas mesmas.

Defina papéis, responsabilidades e objetivos que sejam inspiradores e os resultados-chave com essa nova estrutura. Saiba o destino, tenha a direção, mas estabeleça primeiros passos de forma detalhada. Quanto mais etapas intermediárias para chegar lá, melhor porque isso permitirá definir os primeiros passos e celebrar cada conquista. É importante também definir o que será feito, porque, quem, como, quando, onde fará, além de quanto será o investimento. Estabeleça objetivos comuns entre as áreas que sejam específicos, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e com prazos claros. Deixe claro para as pessoas que isso não é um trilho, mas uma trilha, um caminho em construção e que ao longo da jornada terá ajustes.

Momento de ressignificar a área de compras

É provável que as pessoas, mesmo que não falem, se perguntem: se estão tirando esta decisão e atividade de mim, estou perdendo poder?  O que a liderança espera de mim?

Já citei em outra oportunidade, mas reproduzo novamente uma frase que ouvi para enfatizar a urgência de ressignificar a área de compras:

“eu não sei o que a liderança espera de mim. Quem define o sortimento é GC, preço é Pricing, quantidade é Abastecimento e ações na loja é o Trade.  Eu não tenho autonomia, mas sou cobrado pelo resultado. Quando o resultado é positivo, eu não fiz mais do que a minha obrigação, mas quando dá errado a bronca é certa.”

Se no passado era suficiente comprar bem, hoje é fundamental vender bem e entregar o melhor resultado, a última linha, que é o lucro. Há empresas varejistas que já estão incluindo em seus objetivos o GMROI – Gross Margin Return of Investiment, que em português é o retorno de margem bruta de investimento (GMROI), um índice de avaliação de rentabilidade de estoque que analisa a capacidade de uma empresa de transformar estoque em dinheiro acima do custo do estoque.

Mas, não para por aí. Há uma certeza de que a forma tradicional de conduzir as relações com todos os fornecedores não está gerando os melhores resultados. Há, um conjunto de fornecedores cuja relação precisa ser mais estratégica, ou seja, ter um pensamento, um plano de ações de longo prazo, muito além das negociações de preço, estoque, prazo de pagamento e verba. Ficarei por aqui para não me alongar muito, mas há várias implicações práticas, a saber:

–  Desenvolver a inteligência emocional para melhorar a qualidade das relações. O profissional da área comercial precisa ter uma visão sistêmica, ou seja, ter um olhar de ponta a ponta;

– Entender o posicionamento e a estratégia da empresa, conhecer o shopper, gerenciamento por categorias, supply chain & logística, pricing, marketing, trade marketing, PDV e finanças;

– Ter pensamento crítico e competências analíticas porque estamos na sociedade do conhecimento e aprendizado contínuo

– Ser flexível para olhar para a situação de diferentes perspectivas porque não há uma única verdade

– Estabelecer conexões humanas e ciente do papel da tecnologia neste processo;

– Ter a consciência de que não terá todas as respostas e que o trabalho em equipe será fundamental;

– Estabelecer e desenvolver relacionamentos e alianças estratégicas para que a empresa se diferencie da concorrência, seja mais competitiva e relevante para o shopper;

– Ser apaixonado pela busca de solução dos problemas.

Esses são alguns exemplos para reforçar que é mais de que comprar e vender. A metáfora que tenho usado é de um maestro ou maestrina combinado e de um membro e uma banda de jazz.  O maestro/maestrina tem o papel de ser um articulador das relações internas e externas, considerando os diferentes departamentos. Essa visão sistêmica e a consciência da interdependência entre as áreas e o fato de que alcançar melhores resultados passa pela atuação de um time multidisciplinar no qual o profissional da área comercial terá que saber o momento de acionar cada participante da orquestra. Precisa conhecer profundamente do negócio, das regras do jogo como se fosse a partitura. Mas isso não é mais suficiente. Para inovar terá que ser criativo e assim, como numa banda de jazz, terá que improvisar, mas em harmonia com o posicionamento e a estratégia.

Neste contexto, fica claro que não estamos mais falando sobre comprar e vender. Novos conhecimentos, habilidades e atitudes serão necessários para gerar resultado positivos dentro deste mundo volátil, incerto, complexo, ambíguo, frágil, ansioso, não-constante e incompreensível. Sim eu descrevi os acrônimos em inglês do mundo VUCA e BANI. Entendo que esses dois mundos convivem.

Portanto, não basta criar estruturas se as pessoas não entenderem o porquê, o propósito da mudança. A estrutura é apenas uma parte porque estamos falando de seres humanos que querem ter um sentido para suas vidas, pertencerem a algo maior e se realizarem.

Portanto, o papel dos líderes é bem maior do que reestruturar a área de compras. É vital conscientizar as pessoas sobre a urgência da mudança, inspirar as pessoas para que desejem a mudança por meio de uma visão do futuro, criar as condições para que o conhecimento e as habilidades sejam adquiridos na certeza de que é uma jornada da qual precisará de ajustes, reconhecimentos para que ocorra uma mudança consistente na forma de pensar e agir, o que implica em revisão de crenças e incorporação de novos hábitos.  Nesta ressignificação, que tal mudar o nome de compras para área comercial? Tenho visto essa mudança em várias empresas porque compras está associado a tirar pedido e não é isso que se espera do profissional da área que precisa ter uma visão de ponta a ponta, ter pensamento crítico, ser mais analítico e pensar no negócio como um todo.

Para finalizar, cabe uma frase de Confúcio: “A palavra convence, mas o exemplo arrasta”.

O Líder precisa ser o exemplo dessa transformação.

Imagem: Envato


*Olegário Araújo tem dedicado a sua vida profissional em transformar dados em conhecimento acionável para ampliar a compreensão do contexto e o estabelecimento de uma linguagem comum para que os líderes do varejo possam conectar todos os pontos e estabelecer diálogos colaborativos com objetivos, metas e compromisso com a execução.

Em sua trajetória, Olegário atuou em empresas de pesquisa por 20 anos, sendo 15 deles na Nielsen (NIQ), onde foi Key Account Manager, gerente nacional e diretor de varejo. Cofundador da inteligência360; consultor em inteligência de negócio; professor e pesquisador do FGV CEV; cocurador de conteúdo nos canais supermercado e farma; graduado em administração pela PUCSP; MBA em gestão pela FIA USP; mestrado acadêmico pela FGV EAESP na linha de marketing; certificado de Conselheiro consultivo pelo CELINT e; pós-graduação em Neurociências e comportamento humano pela PUCRS.

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