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Moda circular e fast fashion: concorrentes ou aliados estratégicos na nova cadeia de consumo?

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underconsumption core; vestuário; moda

A indústria da moda vive um de seus momentos mais decisivos, e isso parte de uma grande transformação no setor. Por décadas, o modelo de fast fashion dominou o mercado, construído sobre os pilares de volume, velocidade e acessibilidade. Essa cadeia, eficiente e global, permitiu o acesso a tendências de forma quase instantânea para milhões de consumidores, mas a um custo ambiental e social cada vez mais insustentável. Agora, uma nova filosofia emerge: a moda circular, que se apresenta como a antítese do consumo descartável, propondo um ciclo de reutilização, aluguel e reciclagem.

O paradoxo entre esses dois modelos é evidente, mas a pressão para uma mudança é real e vem do consumidor. De acordo com um estudo recente da consultoria GlobalData em parceria com a thredUP, o mercado de segunda mão global deve atingir mais de 350 bilhões de dólares até 2027, superando o fast fashion. Embora o preço e a conveniência continuem a ser grandes motivadores de compra, uma fatia crescente dos consumidores, especialmente a Geração Z, demanda mais transparência e autenticidade das marcas em relação às suas práticas de sustentabilidade.

Essa pressão impôs às empresas um novo imperativo: reavaliar seus modelos de negócio e ir além do discurso superficial. A preocupação com os pilares de ESG (Ambiental, Social e Governança) deixou de ser um mero diferencial para se tornar um requisito de sobrevivência. A questão central não é mais apenas “como posso ser mais verde?”, mas sim “como a sustentabilidade pode se traduzir em um modelo de negócio lucrativo e escalável para a minha empresa?”. A viabilidade financeira da circularidade é o debate que move o setor.

No Latam Retail Show, mediei um painel com este tema, que teve curadoria da LEAP, e que me gerou alguns insights para este artigo. A minha ideia neste conteúdo é analisar as complexidades de modelos de negócio baseados em reuso e aluguel, o papel de grandes empresas de fast fashion que já adotam iniciativas circulares, e, principalmente, explorar o potencial de colaboração entre essas duas forças. 

A ideia é ajudar a responder à grande questão que ecoa em todos os elos da cadeia de consumo: moda circular e fast fashion são concorrentes ou, na verdade, os alicerces de um futuro complementar?

O paradoxo em movimento: o cenário do consumidor

O cenário do varejo de moda é complexo e fragmentado. O consumidor brasileiro, em particular, apresenta um comportamento de transição, onde a busca por produtos de qualidade e com propósito coexiste com a paixão por novidades e preços baixos. Embora a preferência por consumo consciente seja crescente, especialistas do setor afirmam que ela ainda se configura como um nicho, especialmente se comparada à base de consumidores do fast fashion.

Essa dualidade impõe desafios únicos a cada modelo de negócio. As plataformas de reuso, por exemplo, superaram o tabu de comprar produtos de segunda mão, mas agora enfrentam o desafio de escalabilidade em um mercado onde a “matéria-prima” não pode ser produzida em escala industrial. A logística de coleta, a triagem e o controle de qualidade de um volume massivo de peças únicas exige uma operação complexa e um investimento em tecnologia. Já os modelos de aluguel e assinatura precisam superar uma barreira cultural ainda maior: a de que as pessoas não são donas das roupas que usam. A fidelização do cliente nesses modelos depende da conveniência e de uma curadoria de peças que justifique o custo.

Para as gigantes do fast fashion, o desafio é interno e externo. Internamente, a pressão para se adaptar a uma cadeia de valor mais transparente exige uma revisão completa da produção. Externamente, é preciso provar que as iniciativas de sustentabilidade são autênticas para um consumidor que se torna cada vez mais cético em relação a práticas de “greenwashing” – o marketing que visa criar uma imagem de sustentabilidade sem o compromisso real.

Além da tendência: a viabilidade do negócio circular

A grande questão para o mercado é: a moda circular pode ser um negócio lucrativo e escalável? A resposta, para muitos, é “sim”. No entanto, a viabilidade financeira é complexa e exige um modelo de negócio muito bem estruturado. 

Para plataformas de revenda, a lucratividade está na eficiência da sua operação e na escala do seu volume de transações. Relatórios de mercado, como o que aponta o crescimento do mercado de segunda mão global, mostram que esse não é apenas um nicho, mas uma força de mercado capaz de competir com o varejo tradicional.

Já o modelo de assinatura tem seus próprios desafios. A margem de lucro de uma peça é afetada diretamente por custos operacionais como:

  • Higienização e manutenção: o desgaste das peças precisa ser gerenciado, e os custos de limpeza e reparos são um fator-chave na rentabilidade de longo prazo;
  • Logística reversa: o processo de coleta, devolução e reenvio de peças é complexo e demanda uma logística sofisticada.

Para as grandes empresas, a aposta em ESG deixa de ser um custo para se tornar um ativo. A responsabilidade socioambiental se traduz em retorno financeiro de diversas formas, seja pela atração de investidores de impacto ou pela fidelização de clientes que valorizam marcas com propósito. 

A verdadeira prova de que a sustentabilidade é rentável está em transformar esse pilar em uma vantagem competitiva, mostrando que a eficiência e a responsabilidade podem caminhar juntas, sem a necessidade de um tradeoff.

O futuro da moda: colaboração e a jornada do produto

Se moda circular e fast fashion vivem em um paradoxo, a solução para o futuro pode estar na colaboração. A grande provocação do mercado é se empresas que operam em modelos tão diferentes podem, de fato, se complementar. A resposta de analistas e líderes é que essa parceria é necessária para o avanço da indústria.

O ponto de encontro pode estar em iniciativas como os programas de take-back, onde marcas de fast fashion incentivam a devolução de peças usadas para serem vendidas em plataformas de reuso ou recicladas em novos materiais. Para as empresas de moda tradicional, isso não é apenas uma estratégia de marketing, mas uma forma de assumir a responsabilidade pelo ciclo de vida de seus produtos. Para as plataformas de moda circular, essa colaboração garante um fluxo contínuo de produtos, resolvendo um dos seus maiores desafios.

A tecnologia, como a Inteligência Artificial e o Blockchain, terá um papel fundamental nesse futuro colaborativo. A IA pode otimizar a triagem de peças em larga escala, enquanto o Blockchain pode garantir a rastreabilidade e a autenticidade dos produtos, construindo uma cadeia de consumo mais transparente e confiável. O futuro da moda não está em um modelo único, mas em um ecossistema onde cada parte contribui para um objetivo maior.

O maior desafio para a moda circular no Brasil nos próximos anos não é a logística ou a educação do consumidor, mas sim a colaboração entre marcas. A responsabilidade em ESG deixará de ser um diferencial competitivo para se tornar uma exigência básica para qualquer empresa que queira sobreviver.

No final das contas, a grande conclusão é que a moda circular e o fast fashion não são concorrentes, mas sim complementares. O fast fashion tem a escala e o alcance para educar milhões de consumidores, e a moda circular tem a inovação e o modelo de negócio que a indústria tradicional precisa para se tornar mais responsável e lucrativa. A excelência da moda de amanhã não vai estar nas grandes promessas, mas nas pequenas e eficientes vitórias que surgem da colaboração entre todos os elos da cadeia.

Para continuar essa conversa e obter ainda mais insights sobre a transformação do mercado de moda, convido a todos a fazerem parte de uma comunidade exclusiva da LEAP no WhatsApp. Um espaço para líderes e profissionais que, assim como nós, acreditam que a excelência de amanhã se constrói com a colaboração e a troca de conhecimento de hoje. Junte-se a nós para debater as próximas tendências e construir o futuro do varejo de moda.

Leia também: O caminho do sucesso no digital é trilhado por pequenas vitórias que geram grandes resultados

Imagem: Freepik


*Felipe Pavoni é Sócio e Co-Fundador da LEAP, e possui amplo conhecimento em operações de e-commerce, marketing digital, marketplace, CX e todo o ecossistema de produtos digitais. Foi executivo de empresas como Centauro, C&A, Boticário e Saraiva, que agregaram em sua experiência prática. Tem uma carreira dedicada a projetos de Digital e E-commerce agregando uma visão 360 graus de Performance, Marketing, CRM, Produtos, Tecnologia e Experiência do Cliente.

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