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A nova fase do last mile: tensões, transformação e o papel do Brasil

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A logística last mile entrou numa fase em que seus desafios deixaram de ser problemas operacionais e passaram a refletir tensões estruturais entre consumidores, empresas e governos.

Os dados do “Global Smart Last-Mile Logistics Outlook” da Deloitte mostram que o aumento do volume de pedidos, a ampliação do número de SKUs e a fragmentação das entregas criaram um cenário em que a demanda cresce mais rapidamente do que a capacidade dos players de responder a ela. Isso gera uma fricção: de um lado, o consumidor quer velocidade, conveniência, previsibilidade e sustentabilidade; de outro, as empresas tentam equilibrar custos, tecnologia e produtividade; e, ao mesmo tempo, governos passam a pressionar por ordenação urbana, segurança e redução de emissões de poluentes.

Essa combinação formada por três grupos de stakeholders exigindo mais, porém em direções diferentes, ajuda a entender por que o last mile se tornou uma urgência. A operação precisa ser mais eficiente para as empresas, mais inteligente para o governo e, ao mesmo tempo, mais personalizada para o consumidor. É exatamente nesse ponto que o estudo da Deloitte posiciona a necessidade de uma estrutura clara de transformação, traduzida no modelo 4E.

O 4E funciona como a “ponte” entre os desafios atuais e a maturidade que o setor precisa atingir. Ele organiza a resposta do mercado em quatro frentes complementares. A primeira é Experience, que traduz a pressão crescente do consumidor por conveniência real — seja pela entrega rápida, pela transparência, pelos lockers, pelos pontos de retirada ou pela flexibilidade 24/7. A segunda é Expenditure, que responde ao desequilíbrio entre demanda crescente e custos operacionais: sem tecnologia, densidade e eficiência, a conta não fecha. A terceira é Enablement, que exige que empresas avancem na adoção de soluções inteligentes, automação, roteirização avançada e novos modelos operacionais. E a quarta é Environment Friendliness, que conecta o last mile a um movimento global de exigência por sustentabilidade, impulsionado tanto por governos quanto pela sociedade.

Quando esses dois elementos (desafios e resposta estruturada) são analisados à luz do cenário global, surge o terceiro ponto do estudo: o posicionamento dos países no mapa de maturidade do last mile inteligente. A Deloitte coloca mercados como China, países nórdicos e alguns da Europa Oriental entre os mais maduros e atrativos. Já o Brasil aparece como um caso diferente: boa atratividade, mas baixa maturidade.

Essa classificação não é negativa, pelo contrário. Ela indica que o Brasil está no ponto ideal onde há demanda, urgência e espaço para construir modelos mais eficientes, sem o peso das estruturas engessadas dos mercados líderes. O país se encontra no grupo de mercados com maior potencial de crescimento, justamente porque ainda não consolidou um padrão de last-mile inteligente. Existem brechas, há ineficiências e faltam soluções escaláveis, mas esse é justamente o terreno fértil onde surgem os saltos de inovação.

Assim, quando conectamos os três elementos, os desafios estruturais do setor, a proposta de transformação do 4E e a análise global do nível de maturidade, fica claro que o tamanho da oportunidade.

O Brasil está em construção, e essa fase costuma ser a mais valiosa para quem deseja criar, investir ou liderar a próxima geração de soluções logísticas. O last-mile inteligente é o novo campo de disputa estratégica do e-commerce. E, nesse campo, o Brasil ainda tem muito a ganhar se souber aproveitar seu potencial.

Imagem: Freepik

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*Felipe Barbosa é Gerente Sênior de Marketing no Grupo Intelipost e mestrando em Administração na FEA-USP, pesquisando o uso de Inteligência Artificial no e-commerce. Com mais de 18 anos de experiência em tecnologia, fundou duas startups e liderou estratégias de crescimento e posicionamento de marca em scale-ups. Atua também como professor convidado na FGV, ESPM e FIA, contribuindo para a formação de líderes do mercado digital.

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