Inovação
Marc Tawil defende uso “human-centered” da IA na educação e alerta para risco de criar uma “casta digital”
O avanço da inteligência artificial na educação não deve ser encarado como substituição do professor, mas como ferramenta de escala e apoio, afirma o comunicador e estrategista de comunicação Marc Tawil, colunista da Exame e especialista em futuro do trabalho e educação. Ele participou do painel “Human vs machine: Who owns the classroom of tomorrow?” no Web Summit Lisboa, ao lado de Joleen Liang, cofundadora da Squirrel AI, e de João Rui Ferreira, secretário de Estado da economia do governo de Portugal, e falou à Central do Varejo sobre os desafios da IA em sala de aula.
Para Tawil, a linha divisória é direta: “IA cuida de escala e repetição; professor cuida de sentido, vínculo e ética”. Ele lembra que a própria Unesco fala em uso “human-centered”, com IA como apoio e não substituta da docência. “Quando um sistema decide sozinho currículo, avaliação e feedback, sem mediação humana, a gente já passou do ponto. Máquinas podem ser assistentes de sala, tutores de reforço, corretoras automáticas, mas o projeto pedagógico continua (e continuará sendo) responsabilidade humana”, afirma.
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A perspectiva de hiperpersonalização do ensino, impulsionada por dados e algoritmos, também exige cautela. Tawil reconhece o potencial dessa abordagem, mas condiciona seu sucesso à solução de questões estruturais de acesso. “Hiperpersonalizar é super bem-vindo desde que a gente resolva o básico: acesso. Sem política pública de conectividade, device e formação docente, a IA só turboalimenta quem já estava na frente; em vez de corrigir desigualdades, tende a ampliá-las”, diz. Como caminho, defende desenhar “equidade by design”: aplicativos que rodem em celulares simples, modos offline e licenças abertas para redes públicas. Ele cita como exemplo o estado de Karnataka, na Índia, que levou plataformas como Khan Academy e o assistente Khanmigo a milhões de estudantes da rede estadual.
O uso massivo de dados educacionais para personalizar trilhas de aprendizagem traz, na visão de Tawil, um risco central: transformar dado em destino. “Um histórico de cliques virando rótulo de ‘aluno fraco’, que passa a definir quanto apoio ele recebe no futuro. O alerta precisa ser para vieses e decisões automatizadas tomadas com base em dados incompletos”, afirma. Sem transparência algorítmica, governança e direito de contestação, ele vê a possibilidade de criação de uma “casta digital”: “Quem foi mal avaliado aos 12 anos carrega essa marca invisível pela trajetória inteira.”
No campo da formação docente, Tawil afasta a ideia de que professores precisam se tornar programadores. “Professor não precisa virar programador; precisa ser autor do projeto pedagógico em cima da IA”, resume. Ele cita o framework da Unesco para competências em IA aplicadas à docência, que inclui desde ética e mentalidade human-centered até práticas pedagógicas com ferramentas de IA. Na prática, isso se traduz, segundo ele, em trilhas de letramento digital, laboratórios com casos reais — como planejar aulas com IA ou corrigir redações com rubricas automáticas — e espaços seguros de experimentação. “O mais importante é a instituição dizer, de forma clara: ‘Você continua no comando’.”
Pais e estudantes, na avaliação de Tawil, ainda oscilam entre dois extremos quanto ao papel da IA na educação. “Vejo quem enxerga a IA como ‘cola turbinada’ e quem vê como ‘professor mágico’. Nem uma coisa, nem outra”, afirma. Ele reforça que um bom professor faz perguntas e provoca reflexão, não entrega respostas prontas. “Pais e alunos precisam entender que IA boa de verdade é a que melhora a qualidade da dúvida, não só a velocidade da resposta – e que delegar tudo à máquina é abrir mão de desenvolver o próprio critério, justamente o que o futuro do trabalho vai exigir.”

Ao comentar a chamada IA “agêntica”, capaz de agir de forma autônoma com mínima intervenção humana, Tawil vê ganhos claros em ritmo e trilhas personalizadas, mas faz uma distinção entre o que a máquina pode entregar e o que depende da convivência. “Valores, empatia e habilidades socioemocionais nascem de conflito, frustração, cooperação – fricções que acontecem em grupo, não no 1:1 com a tela”, afirma. Em sua visão, a tecnologia cumpre melhor seu papel quando libera tempo do professor em tarefas como correção, relatórios e planejamento, para que esse tempo seja reinvestido em projetos coletivos, debates presenciais e aprendizagem baseada em problemas reais. “A máquina personaliza o conteúdo; o humano cuida do caráter”, resume.
O excesso de dados também traz implicações éticas e riscos à privacidade. Tawil vê com preocupação a tentação da vigilância permanente sob o argumento de “engajamento”. “Monitorar tudo o que o aluno faz, o tempo todo, e vender isso como ‘engajamento’ é perigoso”, alerta. Ele defende padrões elevados de proteção, com minimização da coleta, anonimização robusta, auditorias independentes, direito de opt-out e políticas que limitem o uso comercial dos dados educacionais. “Privacidade, segurança e regulação têm de ser pré-requisito, não rodapé de projeto”, afirma.
Aos estudantes de pós-graduação, especialmente de MBAs ligados à gestão, Tawil sugere uma postura de parceria crítica em relação à IA. “Se eu tivesse um minuto com uma turma de MBA, eu diria: tratem a IA como um estagiário brilhante e um espelho estratégico, não como oráculo infalível”, afirma. Ele recomenda usar IA para testar modelos de negócio, simular cenários e analisar mercados, sem abrir mão do pensamento analítico. “Não deleguem o indelegável: visão, ética, decisão final. Em um mercado em que todo mundo tem as mesmas ferramentas, o verdadeiro diferencial volta a ser a pergunta que você faz, não a resposta que a máquina entrega.”
Ao final, Tawil reforça que educação mediada por tecnologia continuará sendo um campo de disputas, escolhas e desenho institucional. “A questão não é se a IA vai entrar na sala de aula, mas em que termos, sob quais regras e com qual projeto pedagógico”, afirma. “Esse é o debate que deveria estar no centro das decisões de gestores, professores, formuladores de política pública e também dos próprios estudantes.”
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