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Por que cafeterias são hubs sociais? A ciência por trás dos ambientes que aproximam pessoas
Se você entrar em uma cafeteria em qualquer grande cidade brasileira hoje, a cena tende a se repetir: gente trabalhando no notebook, amigos colocando o papo em dia, reuniões rápidas, alguém lendo sozinho, uma mesa grande ocupada por uma turma. O café está lá, claro, mas ele já não explica tudo.
O que explica é o papel que a cafeteria passou a ocupar no cotidiano: um lugar de encontro, convivência e presença. Em linguagem direta, virou um dos principais hubs sociais da vida urbana. Um espaço onde pessoas ficam mais tempo, criam vínculos, trocam ideias e — sim — consomem.
E isso não é só percepção. Existe ciência por trás.
O “terceiro lugar”: por que o café vira ponte entre casa e trabalho
A expressão “terceiro lugar” (third place) descreve ambientes que não são nem casa (primeiro lugar) nem trabalho (segundo), mas onde a vida social acontece com mais naturalidade. Cafeterias aparecem recorrentemente nessa discussão porque têm uma característica rara: permitem estar junto sem exigir intimidade.
Você pode conversar, pode ficar em silêncio, pode observar. Pode estar acompanhado ou sozinho. E isso reduz atritos sociais.
Nos últimos anos, estudos vêm reforçando como terceiros lugares acessíveis estão associados a conexões significativas e sensação de pertencimento — fatores especialmente relevantes em tempos de isolamento e rotinas cada vez mais digitais.
A conclusão prática para o varejo de foodservice é clara: cafeterias não competem apenas com outras cafeterias. Elas competem com a casa, com o escritório, com o celular, e ganham quando conseguem oferecer um ambiente que dá vontade de ficar.
A psicologia do ambiente: o que faz alguém “querer permanecer”?
Aqui entra uma das áreas mais úteis para entender por que cafeterias viram hubs sociais: psicologia ambiental aplicada ao consumo.
Uma linha clássica de pesquisa mostra que elementos do ambiente (luz, sons, layout, conforto, densidade, temperatura, estética) influenciam emoções como prazer e excitação, e essas emoções, por sua vez, influenciam comportamentos de aproximação, como permanecer mais tempo, explorar, interagir e voltar.
Em outras palavras, o que transforma cafeteria em hub social é um conjunto de decisões de ambiente que geram uma resposta quase automática do corpo: “aqui dá para ficar”.
Um estudo de Kaltcheva & Weitz, publicado no Journal of Marketing, discute como atmosferas mais estimulantes podem aumentar disposição para visita e engajamento, dependendo do contexto e da motivação do consumidor. O recado é: atmosfera não é decoração. É estratégia.
Pequenos gatilhos que mudam tudo: conforto, ruído e privacidade social
Uma cafeteria que funciona como hub social geralmente acerta três pontos:
- Conforto sem formalidade
A cadeira não precisa ser “poltrona de cinema”, mas precisa permitir 20, 40, 60 minutos sem incômodo. Conforto é permanência. - Ruído no nível certo
Silêncio absoluto deixa o ambiente tenso. Barulho demais expulsa conversas e trabalho. O “meio-termo” cria uma sensação de anonimato confortável: você não é o centro das atenções. - Privacidade social
É a sensação de estar em público sem se sentir exposto. Layout com mesas bem distribuídas, cantos, bancos, plantas, variações de altura e iluminação ajudam.
Parece subjetivo, mas dá para medir por comportamento: tempo de permanência, retorno e uso do espaço.
E até detalhes como música importam. Um estudo da Unifor em restaurantes observou diferença de permanência com tipos de música (por exemplo, música ao vivo versus mecanizada), indicando que estímulos sensoriais podem alterar quanto tempo as pessoas ficam.
Café estimula criatividade: mito simpático ou efeito real?
Existe um motivo pelo qual tantas ideias surgem em cafeterias — e não é só a cafeína.
A criatividade tende a aparecer quando o cérebro entra em um estado de atenção relaxada, com estímulos moderados e sensação de segurança. Cafeterias frequentemente oferecem exatamente isso: um ambiente vivo, mas controlado.
Na prática, é por isso que cafeterias viraram cenário de estudo, trabalho remoto, brainstorm e reuniões rápidas. O ambiente funciona como um meio de campo: menos rígido do que um escritório, mais ativo do que a casa.
Hubs sociais também são economia: permanência vira valor
Mas vamos colocar números na mesa, porque hub social, no fim, também é modelo de negócio.
No Brasil, os indicadores de consumo da ABIC mostram como o café segue relevante no dia a dia: em 2023, foram consumidas 21,7 milhões de sacas e o consumo total cresceu 1,64%, com crescimento de 7,47% no consumo per capita, segundo relatório de indicadores da indústria.
Ao mesmo tempo, a ida a cafeterias sofre com preço e conjuntura: uma pesquisa encomendada pela ABIC apontou que a frequência a cafeterias caiu de 51% (2023) para 39% (2025), atribuída, entre fatores, a preços mais altos e experiência inconsistente.
E aqui está a virada: quando o consumo aperta, o café vira commodity e o ambiente vira diferencial. Se o cliente está escolhendo mais pelo preço, o que faz ele sair de casa para consumir fora é o que ele não consegue replicar na cozinha: convivência, atmosfera, sensação de lugar.
Em outras palavras: o hub social protege margem.
Quando experiência de café vira estratégia de convivência
A Sterna é um bom exemplo brasileiro de marca que trabalha a cafeteria como experiência, e, por consequência, como hub social.
No posicionamento da marca, a narrativa é explícita: a experiência não é só produto, mas uma viagem por métodos e culturas do café, algo que ajuda a transformar a visita em ritual e curiosidade recorrente.
O que isso tem a ver com hubs sociais? Tudo. Quando uma cafeteria desenha a experiência para ser mais do que “pegar e ir embora”, ela incentiva:
- permanência (mais tempo no local),
- retorno (novo motivo para voltar),
- recomendação (lugar que vira “meu café”),
- e encontros (o espaço vira ponto de referência).
É assim que a cafeteria vira hub social: não por acaso, mas por projeto.
Design e operação: como se constrói um hub social
Toda cafeteria quer movimento. Nem toda cafeteria quer permanência. O ponto é desenhar o tipo de permanência que faz sentido para a operação.
Alguns caminhos comuns em cafeterias que viram hubs sociais:
- Zonas de uso: mesas rápidas, mesas de conversa, cantos de permanência.
- Iluminação em camadas: mais clara no balcão, mais suave em áreas de ficar.
- Tom de serviço: acolhedor sem invadir.
- Cardápio com ritmo: itens que sustentam permanência (água, refill, comidinhas, combos).
- Sinalização sutil: o ambiente ensina como usar o espaço, sem placas agressivas.
A regra é simples: quando o ambiente está bem resolvido, as pessoas não precisam pensar. Elas apenas ficam.
O termo hubs sociais não é moda vazia. Ele descreve exatamente a função contemporânea dessas cafeterias. Para o varejo, é ainda mais específico: trata-se de transformar um ponto de venda em ponto de vida.
E quando isso acontece, o café deixa de ser só produto. Ele vira pretexto.
Imagem: Envato
