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Monomarca ou multimarcas: escolhas estratégicas que moldam o design da loja

Por que essa decisão vem antes do layout? Antes de pensar em vitrines, percursos e mobiliário, é preciso definir o papel da marca no ato de compra: seu público compra principalmente pela marca (fidelidade, estilo de vida, status) ou está confortável em misturar peças de diferentes marcas (curadoria, preço/benefício, tendência)? A resposta orienta o conceito espacial, a gramática visual e até o modelo operacional.
Estudos mostram que congruência entre identidade da marca e estilo de vida do cliente aumenta satisfação e intenção de recompra — algo que lojas monomarca conseguem amplificar ao controlar toda a experiência. Já em ambientes multimarcas, o consumidor busca comparação, descoberta e mix & match, exigindo curadoria e sinalização mais robustas para evitar ruído e conflito de preços/estilo.
Monomarca: a loja como extensão do produto
No modelo monomarca, a loja se torna um “produto ampliado”, no qual o espaço traduz diretamente a linguagem da coleção. Cada elemento — materiais, iluminação, paleta de cores, sinalização e mobiliário — obedece a um código único, reforçando o DNA e o storytelling da marca. É o caso das flagships da Apple, em que o layout minimalista, a iluminação uniforme e o mobiliário padronizado não apenas criam coerência visual, mas se tornaram tão distintivos que foram registrados como trade dress, consolidando-se como propriedade intelectual da marca.
A proteção de trade dress no varejo pode ir muito além do logotipo. Ela abrange desde a fachada e elementos arquitetônicos — como escadarias e vãos característicos — até os ambientes interiores e mobiliário, configurando uma identidade espacial única. Segundo Christopher Sprigman, professor de Direito da Universidade da Virgínia e coautor do livro The Knockoff Economy, esse tipo de direito de marca já possui precedentes consolidados no campo dos projetos de interiores.
Outro exemplo emblemático é a Nike House of Innovation 000, em Nova York, que ocupa seis andares na 5ª Avenida. O espaço combina showroom, serviços digitais e áreas de personalização, permitindo ao cliente experimentar, customizar e até co-criar produtos dentro da própria loja. O layout arquitetônico é projetado como uma jornada imersiva, em que cada pavimento revela uma narrativa — do esporte de alta performance ao lifestyle urbano — sempre dentro da linguagem visual da marca.
Nesses contextos, o layout arquitetônico estratégico privilegia a jornada coesa: zoning bem definido, serviços proprietários (como ateliers e áreas de customização) e narrativas por cápsulas de coleção que se sucedem em um arco narrativo único. A aposta, entretanto, implica riscos: a loja monomarca depende diretamente da força de sua própria marca e da atratividade de suas coleções. Quando há falhas de sortimento, toda a experiência — física e digital — é impactada, já que o tráfego é concentrado e vinculado a uma única identidade.
Multimarcas: a loja como curadoria
Já no modelo multimarcas, a proposta é atuar como curadoria, oferecendo ao cliente a possibilidade de explorar, comparar e misturar estilos e faixas de preço. Isso exige um desenho espacial que organize a diversidade sem gerar ruído. O layout arquitetônico estratégico aqui costuma adotar zonas temáticas por ocasião ou estilo (work, street, party), dentro das quais se distribuem “ilhas” de marca em formato shop-in-shop. É o que se vê, por exemplo, na Galeries Lafayette, em Paris, ou na Selfridges, em Londres, onde cada marca possui um espaço reconhecível, mas inserido em um conjunto coeso, garantido por diretrizes de sinalização, iluminação e mobiliário.
Essa configuração permite preservar a identidade individual das marcas, ao mesmo tempo em que cria fluidez para o consumidor. Outro recurso central é a arquitetura de preços legível, muitas vezes estruturada em camadas como bom–melhor–ótimo, que facilita a comparação entre produtos e reduz a dissonância de valor. A comunicação do preço se torna parte do design de informação da loja, visível em etiquetas, cabeçalhos de mesa ou painéis de parede. Para complementar, o visual merchandising desempenha papel essencial: vitrines e mesas editoriais são montadas como editoriais de moda, com regras claras de composição — como a regra de três ou o arranjo piramidal — que estimulam o mix & match e ampliam o tempo de permanência do cliente no espaço.
O desafio das multimarcas é equilibrar diferentes linguagens e estratégias comerciais sob um mesmo teto, evitando a fragmentação da experiência ou a “guerra de preços” entre vizinhos de corredor. A solução passa por governança de visual merchandising, zoning preciso e diretrizes claras de convivência entre marcas, que garantem coerência espacial mesmo diante da diversidade de identidades.
Mono e multimarcas são escolhas projetuais que partem da estratégia, não do mobiliário. Monomarca maximiza a coerência da linguagem dos produtos e do storytelling; multimarcas exige curadoria, disciplina de preço/estilo e integração de identidades no mesmo espaço. A pergunta-chave é simples e dura: o seu público compra por marca — ou aceita (e valoriza) misturar peças? Sua resposta deve guiar o desenho, a comunicação e a operação da loja, do briefing ao último spot de luz.
Assim, tanto no universo monomarca quanto multimarcas, o layout arquitetônico não é apenas uma questão de estética, mas sim de estratégia: enquanto o primeiro aposta na coerência absoluta e na imersão no universo de uma única marca, o segundo requer curadoria cuidadosa e integração de múltiplos discursos em um espaço coeso e estimulante.
Imagens: Divulgação
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Supervisora de projetos na GDesign, Julia Menin é mestranda em Arquitetura e Tecnologia na USP e possui MBA em Gestão de Projetos pela USP/Esalq. Seu trabalho é voltado para a criação de conceitos e identidades visuais que unem experiências únicas e resultados concretos para os negócios, por meio de estudos de neuroarquitetura e visual merchandising.