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O franchising na encruzilhada da reforma tributária

A ampulheta virou. Para o bem ou para o mal, a Reforma Tributária não é mais uma discussão teórica ou uma promessa distante… é uma realidade constitucional, uma contagem regressiva em andamento que trará uma das mais profundas transformações no ambiente de negócios brasileiro.
E no epicentro desta mudança, se encontra o setor de franquias — um ecossistema complexo e vital para a economia, responsável por um faturamento de mais de 278 bilhões de reais e milhões de empregos (dados da ABF). Ignorar as placas de sinalização que já estão sendo fincadas ao longo do caminho não é uma opção. Precisamos estar atentos a isto.
A mensagem que ecoa em todos os corredores de feiras de negócios, em reuniões de conselho e em conversas com empreendedores é uma só: a preparação precisa ser imediata. O tempo de esperar para ver já passou, e a contagem regressiva corre de maneira cruel, tendo em vista as grandes definições já tomadas. É certo que estamos imersos na fase de regulamentação, mas muito já foi definido, e os impactos são importantes demais para serem empurrados para frente.
A construção minuciosa dos detalhes que darão forma e função ao esqueleto aprovado da reforma está em pleno andamento, e cada detalhe, cada alíquota, cada exceção, traz um impacto direto na veia jugular do sistema de franquias: a relação financeira e contratual entre franqueador e franqueado.
Em sua essência a reforma atua diante da promessa de simplificação, sendo a substituição de cinco tributos notoriamente complexos – PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS – por um sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) no modelo dual. Teremos, de um lado, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal, e do outro, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de gestão compartilhada entre estados e municípios.
A ideia é nobre: acabar com a “guerra fiscal” entre estados, dar transparência à carga tributária embutida nos preços e eliminar a cumulatividade, o nefasto “imposto sobre imposto” que onera a cadeia produtiva e, no fim, o bolso do consumidor. A aplicação, entretanto, acaba por gerar impactos reversos desta mesma lógica.
Para o franchising, um modelo de negócio sui generis, a tradução dessa simplificação para o dia a dia é tudo, menos simples. O coração do modelo de franquia pulsa por meio de fluxos financeiros específicos: a venda de produtos da franqueadora para a franqueada, a cobrança de royalties, as taxas de publicidade, entre outras. E é exatamente aí que a reforma incide com mais força, trazendo um misto de oportunidades e, principalmente, de desafios que exigem análise imediata.
O ponto mais sensível, sem dúvida alguma, é a tributação dos royalties. Atualmente, após uma longa batalha judicial, pacificou-se a incidência do ISS, o imposto municipal sobre serviços, sobre essa receita, com alíquotas que variam de 2% a 5%. Com a reforma, essa cobrança será substituída pela alíquota cheia do IVA dual, estimada por especialistas em algo em torno de 25% a 28%. É uma mudança brutal. O impacto financeiro é direto e severo, especialmente para as franqueadoras, que são, em sua maioria, prestadoras de serviços intensivas em mão de obra, um custo que não gera crédito no novo sistema.
Essa nova realidade coloca as franqueadoras diante de um dilema estratégico: absorver esse custo significa um esmagamento das margens, comprometendo a capacidade de investimento em inovação, suporte à rede e expansão da marca; repassá-lo integralmente ao franqueado pode tornar a operação da franquia inviável, especialmente em um mercado competitivo.
A discussão, portanto, vai muito além de uma simples planilha de custos. Ela toca na sustentabilidade e na perenidade do próprio modelo de negócio. Como estruturar a remuneração da franqueadora de forma a manter a saúde financeira da rede inteira? Essa é a pergunta de um milhão de reais que precisa começar a ser respondida hoje.
O desafio se aprofunda quando olhamos para a ponta da cadeia: o franqueado. A grande maioria das unidades franqueadas no Brasil, cerca de 98%, opta pelo Simples Nacional, um regime simplificado de tributação, onde a lógica de créditos se torna difícil, e por que não dizer, impossível na grande maioria das vezes. Os franqueados do Simples terão desafios de aproveitamento dos créditos gerados pelo pagamento do novo IVA embutido nos royalties e produtos adquiridos da franqueadora. Se o franqueado não pode se creditar, o aumento de custo vira, na prática, um peso morto em sua estrutura, reduzindo sua competitividade frente a outros negócios que não operam em rede ou que estão em regimes tributários diferentes. A consequência direta é a pressão sobre o preço final ao consumidor, com um potencial efeito inflacionário que pode levar a uma redução do consumo.
Outro ponto de destaque é a venda de produtos da franqueadora para a franqueada, outra operação central no franchising, que também será redesenhada. A substituição do ICMS, PIS e COFINS pelo IBS e CBS traz a vantagem teórica da não cumulatividade plena. Isso significa que o imposto pago em uma etapa da cadeia vira crédito na etapa seguinte, evitando o efeito cascata. No entanto, a operacionalização disso durante a longa década de transição será um exercício de complexidade. As empresas terão que conviver com dois sistemas, o velho e o novo, simultaneamente, adaptando seus sistemas de gestão (ERPs), processos de emissão de notas fiscais e a própria lógica contábil. E também terão que fazer antecipação de pagamentos, o que impactará diretamente no fluxo de caixa existente.
E sabe aquele nosso Fundo de Propaganda? Ninguém ainda sabe o que se dará com ele. Uma verba essencial para a construção e fortalecimento da marca, que é nutrido por contribuições dos franqueados, uma taxa, que hoje é tratada muitas vezes como um reembolso de despesas, não tem seu caminho garantido. Como ela será vista pelos olhos do novo sistema? A incidência da alíquota cheia do IVA sobre essa contribuição poderia drenar recursos vitais para o marketing da rede. Muitas redes já estudam a constituição de associações para gerir esses fundos, buscando uma estrutura que não seja considerada receita da franqueadora e, assim, escape da nova tributação.
O cenário é complexo, mas a inércia é o maior risco. A reforma já foi aprovada e o calendário de transição está correndo. A partir de 2026, se inicia uma fase de testes, com alíquotas simbólicas da CBS e do IBS sendo destacadas nas notas fiscais para que as empresas comecem a se adaptar. E não se engane! Mesmo sem cobrança efetiva, a emissão incorreta de documentos já poderá gerar multas.
O que isso significa na prática? Que as decisões estratégicas para 2026 precisam ser tomadas em 2025.
Os contratos de franquia, muitos com validade de cinco a dez anos, precisam ser revistos com urgência, com a inclusão de cláusulas que permitam a renegociação e o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato diante das mudanças tributárias. Sem esses mecanismos de proteção jurídica, conhecidos como cláusulas de “hardship”, franqueadores e franqueados podem se ver presos a um acordo que se tornou financeiramente insustentável.
Uma revisão completa das estratégias de logística e expansão, especialmente para redes com operações em vários estados e forte presença no e-commerce, precisa ser realizada, tendo em vista a mudança na lógica de tributação, que passa da origem (onde o produto é feito) para o destino (onde ele é consumido).
O planejamento financeiro também é primordial, para evitar a sobrecarga de qualquer dos lados da cadeia, e a inviabilidade da operação.
Para o empresário do franchising, seja ele um franqueador consolidado ou um franqueado no início de sua jornada, a lição é clara. É hora de colocar a reforma tributária no centro da mesa de discussões estratégicas.
O relógio não vai parar. As mudanças estão a caminho, e o futuro do setor de franquias dependerá, fundamentalmente, das ações que tomarmos hoje. A Goakira pode ajudar sua rede a enfrentar esse novo cenário com inteligência estratégica e segurança jurídica.
Com experiência prática em franchising e uma visão integrada de expansão, operação e governança, estamos prontos para apoiar franqueadoras e franqueados na adaptação à nova realidade tributária. Entre em contato com nosso time e prepare sua rede para crescer com solidez no ambiente pós-reforma:
(*) Patricia Cotti – Ganhadora do Digital Transformation Awards, Sócia Diretora da Goakira, Diretora de Pesquisa do IBEVAR, Colunista Central do Varejo, Professora dos MBAs da FIA, ESPM, ESECOM, USP.
Imagem: Envato