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Empresas devem fiscalizar a saúde mental no trabalho

A saúde mental está em crise no mundo, revelou a publicação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2022. Nesta publicação, estimou-se que no mundo 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido à depressão e ansiedade. No Brasil, dados de 2024 mostram que o país registrou mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais. Estes fatores levaram à inclusão expressa dos riscos psicossociais relacionados ao trabalho no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) da Norma Regulamentadora-1 (NR-1). As empresas terão de se adequar à Portaria MTE nº 1.419/2024, que começou a valer a partir de 26 de maio de 2025.
É, portanto, necessário que as empresas entendam o objetivo desta recente atualização das normas de Segurança e Saúde do Trabalho (SST), e busquem diretrizes de como proceder com o processo de implantação, sob pena de sofrerem com penalidades de multas.
A empresa deve fiscalizar a saúde mental dos empregados
Até então, a gestão de riscos psicossociais já estava implícita na NR-1, mas a nova redação enfatiza e torna inequívoca essa obrigação para todas as empresas. Isso reflete a crescente necessidade de conscientização global sobre a importância da saúde mental no ambiente de trabalho. Com a expressiva alta nos afastamentos por saúde mental, que chegou a quase meio milhão de afastamentos em 2024 (dados revelados pelo Ministério da Previdência Social ao G1), as normas foram atualizadas para impor a fiscalização do tema pelas empresas.
Fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho
Para fins de aplicação do GRO (Gerenciamento dos Riscos Ocupacionais), esses são perigos que surgem de problemas na concepção, organização e gestão do trabalho, e que podem afetar a saúde do trabalhador em níveis psicológico, físico e social. Isso inclui situações que podem levar ao estresse, esgotamento, depressão ou até Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). Aqui o foco são os riscos inerentes às condições de trabalho, sem considerar as questões da vida pessoal do colaborador.
Como a empresa deve se adequar a partir de maio de 2025
A gestão dos fatores de riscos psicossociais deve ser integrada ao Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) da empresa, utilizando as diretrizes da NR-1 em conjunto com a Norma Regulamentadora nº 17 (NR-17), que trata da Ergonomia. O processo é similar ao que já é feito para os demais riscos e envolve as seguintes etapas (recomendamos consultar o “Guia de Informações sobre os Riscos Psicossociais, publicado pelo Ministério Público do Trabalho (MTE)”:
- Identificação de Perigos: Descrição dos perigos e as possíveis lesões ou agravos à saúde, suas fontes e os grupos de trabalhadores expostos. Uma lista exemplificativa de perigos psicossociais inclui assédio, má gestão de mudanças, baixa clareza de função, falta de apoio, sobrecarga ou subcarga de trabalho, entre outros.
- Avaliação de Riscos: Determinação do nível de risco combinando a severidade das consequências com a probabilidade de sua ocorrência. Para os riscos psicossociais, considere as exigências da atividade de trabalho e a eficácia das medidas de prevenção já implementadas.
- Classificação dos Riscos: Classificação dos riscos para definir a necessidade de adotar ou manter medidas de prevenção.
- Implementação de Medidas de Prevenção: Faz-se necessário elaborar um plano de ação detalhado, com cronogramas e responsáveis, para introduzir, aprimorar ou manter as medidas de prevenção. A empresa também precisa priorizar a eliminação dos fatores de risco, seguida pela minimização e controle através de medidas de proteção coletiva, administrativas ou de organização do trabalho, e por último, necessita-se verificar o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para mitigar os riscos ocupacionais. A revisão periódica dessas medidas é fundamental.
- Acompanhamento do Controle: O desempenho das medidas de prevenção deve ser monitorado de forma contínua, com a participação ativa das empresas de saúde e segurança do trabalho, dos trabalhadores e da CIPA (se houver).
Como ficam as Microempresa (ME) ou Empresa de Pequeno Porte (EPP)?
Mesmo que a empresa seja uma Microempresa (ME) ou Empresa de Pequeno Porte (EPP) de grau de risco 1 e 2 e esteja dispensada de elaborar o PGR, a Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP) é obrigatória. A AEP é o ponto de partida para identificar os fatores de riscos psicossociais, e caso uma análise mais aprofundada seja necessária, deve-se realizar a Análise Ergonômica do Trabalho (AET).
Exemplos práticos e a relevância da organização do trabalho
A NR-17, com seus anexos, já oferece diretrizes importantes. Para operadores de checkout, por exemplo, a norma aborda postura, mobiliário e a própria organização do trabalho, incluindo aspectos psicossociais. No teleatendimento/telemarketing, a organização do trabalho é crucial para evitar a sobrecarga dos operadores, estabelecendo pausas obrigatórias, flexibilidade de horários e a vedação de assédio moral.
Trata-se de um esforço organizado e conjunto, sendo essencial que todos os trabalhadores recebam capacitação sobre os riscos psicossociais, suas causas, efeitos na saúde e medidas de prevenção. Os treinamentos podem ser presenciais, semipresenciais ou à distância, desde que sigam os requisitos da NR-1.
Ao final, a organização deve documentar todas as etapas do gerenciamento de riscos e registrá-las no seu PGR ou na AEP. O inventário de riscos, por exemplo, deve conter informações mínimas sobre os perigos identificados, os grupos de trabalhadores expostos, as medidas de prevenção e a avaliação dos riscos.
É sobre investir na produtividade!
A inclusão expressa dos fatores de riscos psicossociais na NR-1 representa um avanço significativo na proteção da saúde do trabalhador. Ao se antecipar e adequar a empresa a essas exigências, não apenas se cumpre a legislação, mas também investe na saúde e no bem-estar dos colaboradores, resultando em um ambiente de trabalho mais produtivo e seguro.
Recomenda-se que a empresa busque o apoio de profissionais especializados em Segurança e Saúde no Trabalho para auxiliar nesse processo de adequação.
*Mariana Albuquerque de Novaes Campêlo é advogada no escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados, pós-graduanda em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduanda em Direito Previdenciário e Trabalhista pela Fundação Escola Superior do Ministério Público, atuante no setor consultivo e contencioso empresarial trabalhista, com foco nas áreas de varejo e franchising.