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O varejo em duas velocidades: operar o presente e construir o futuro

Setembro começou com uma notícia que movimentou o mercado: as ações da Alibaba dispararam 19% em Hong Kong. O resultado não veio por acaso. A gigante chinesa conseguiu equilibrar dois elementos que parecem opostos, mas que, quando bem combinados, garantem crescimento sustentável: eficiência operacional e inovação disruptiva.
Nos últimos balanços, o avanço das vendas estava um pouco abaixo do esperado. A resposta da empresa foi ousada, apostar em computação em nuvem, que registrou alta de 26% na receita, e acelerar o desenvolvimento de inteligência artificial, incluindo um novo chip exclusivo para essa tecnologia. O reflexo foi imediato: lucro líquido 78% superior ao período anterior. A mensagem é clara, é possível inovar sem perder a solidez do negócio principal.
Esse movimento traduz um conceito conhecido na literatura de gestão: a organização ambidestra. Trata-se da capacidade de explorar o presente com eficiência, enquanto se abre espaço para construir o futuro. Na prática, significa criar unidades de negócio com culturas e processos diferentes, mas alinhadas a uma mesma visão estratégica.
A Alibaba é um bom exemplo. Sua operação tradicional de e-commerce segue robusta, sustentando o caixa e o core business com melhorias no fulfillment, o processo logístico que envolve armazenagem, separação e entrega dos pedidos. Ao mesmo tempo, áreas como armazenamento em nuvem e inteligência artificial funcionam em ritmo próprio, mais ágil e experimental, mas sem se desconectar da liderança central.
Esse modelo ganha ainda mais relevância diante do cenário brasileiro. Segundo a ABComm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), até 2029 o e-commerce deve faturar mais de R$343 bilhões, um salto de mais de R$100 bilhões em apenas cinco anos. O desafio será capturar atenção em um mercado cada vez mais competitivo. A ambidestria, nesse contexto, permite que empresas criem diferenciais para conquistar novos segmentos de mercado, ao mesmo tempo em que diversificam o portfólio para atender múltiplas demandas.
A valorização da Alibaba mostra que investidores entendem a força dessa arquitetura de negócios. Mais do que reagir às pressões do presente, a empresa demonstra estar pronta para moldar o futuro. Essa é a essência da organização ambidestra: não se trata de romper com o passado, mas de criar condições para que presente e futuro coexistam de forma sustentável.
Imagem: Envato

*Felipe Barbosa é Gerente Sênior de Marketing no Grupo Intelipost e mestrando em Administração na FEA-USP, pesquisando o uso de Inteligência Artificial no e-commerce. Com mais de 18 anos de experiência em tecnologia, fundou duas startups e liderou estratégias de crescimento e posicionamento de marca em scale-ups. Atua também como professor convidado na FGV, ESPM e FIA, contribuindo para a formação de líderes do mercado digital.