Inovação
Como a IA está ajudando um brechó no Brooklyn a aumentar vendas e reduzir impacto ambiental

Escondido em um estacionamento nos fundos da zona industrial que margeia o Canal Gowanus, no Brooklyn, há um brechó absolutamente fantástico à moda antiga — um galpão imenso tomado por bens usados dispostos de forma meio caótica, separados apenas por categorias gerais. O exterior discreto do Big Reuse se confunde com docas de carga, depósitos e pequenas oficinas da região, mas essa fachada simples esconde um verdadeiro tesouro.
A modéstia da loja também disfarça um ecossistema maior de iniciativas ambientais comunitárias dedicadas a reutilizar todo tipo de resíduo, de objetos de consumo a restos de comida. Além dos dezenas de milhares de itens revendidos a cada ano na loja, o Big Reuse mantém programas de compostagem e cuidados com árvores de rua em toda a cidade de Nova Iorque, financiados em parte pelo lucro do brechó. Agora, essa organização genuinamente “raízes” está dando um passo adiante com inteligência artificial.
Thriftly: IA para precificar a segunda‑mão
O Big Reuse é um dos primeiros campos de teste para uma tecnologia com IA chamada Thriftly, criada pelos veteranos da Happy Returns, Andy Downard e Josh Packard, para modernizar a logística do varejo de revenda. O software ataca um dos pontos mais complicados do setor: a precificação.
Por que preço é o grande desbloqueio nos brechós sem fins lucrativos
Durante anos, brechós em todo o país estipularam preços com base em conhecimento e intuição dos funcionários. Funcionava — e gerava boas pechinchas —, mas com a migração do second‑hand para o online, o valor real dos usados ficou bem mais claro.
Isso estimulou o surgimento de uma nova classe de comerciantes digitais, os revendedores (resellers), capazes de garimpar tesouros em meio a pilhas de sucata e revender on‑line com lucro. Eles são bons clientes, mas também expõem que os próprios brechós — muitos deles ONGs que financiam projetos sociais — poderiam ganhar mais. Na manhã em que a Retail TouchPoints visitou o Big Reuse, o fundador Justin Green estimou que um terço dos clientes eram revendedores: “Eles vêm todo dia e saem cheios de coisas. É ótimo, mas não quero ser apenas fornecedor deles; depois o freguês comum chega e acha tudo ‘garimpado’.”
Cada dólar extra obtido vira verba para as demais iniciativas ambientais do Big Reuse — aí entra a Thriftly. “Hoje milhares de pessoas em brechós carregam na cabeça regras grosseiras: ‘É calça, boa qualidade, R$ 49,90’”, explica Downard. “Assim Levi’s e Dockers saem pelo mesmo preço, quando o Levi’s poderia custar bem mais e ainda assim vender. Já o Dockers acaba caro demais, não vende e vai para descarte. O ideal é ajustar preços para capturar parte do lucro que hoje fica com os revendedores e, ao mesmo tempo, tornar os itens mais baratos competitivos com varejistas de baixo custo.”
Com apenas três meses de Thriftly, o Big Reuse já viu a receita subir 15%, mesmo sem a ferramenta em todas as áreas.
A diferença que uma etiqueta faz
O rollout é gradual porque muitos itens nunca tiveram preço individual. Roupas, por exemplo, eram taxadas por tipo e tempo de loja, sinalizados pela cor da etiqueta. Agora cada peça recebe um valor próprio e o resultado é inegável: antes se vendia cerca de US$ 7 000 por semana em roupas; agora são US$ 9 500. Curiosamente, não foi preciso subir muito os preços; os clientes compram mais porque veem o valor exato na peça.
Trazendo ordem ao caos
A modernização do Big Reuse inclui também um novo PDV da Shopify, que aceita SKUs ilimitados — essencial num brechó onde cada item é único. Como o Big Reuse aceita praticamente “tudo”, desde uma escada inteira a impressoras 3D, a operação é caótica. A Thriftly, integrada ao Shopify, gera etiquetas QR únicas; isso permite acompanhar giro de estoque, ajustar valores em tempo real e captar sazonalidade.
Visão computacional para identificar achados
A Thriftly também conta com visão computacional alimentada por IA. Funcionários fotografam itens difíceis de catalogar — como um aspirador portátil vintage ou um bule de cobre — e, em segundos, o sistema retorna anúncios on‑line semelhantes. Descobre‑se, por exemplo, que um “Mini‑Vac” pode valer US$ 36 na internet; na loja, ele vai a prateleira por US$ 17,49 — ainda assim bem acima do que seria antes.
Reduzir resíduos e fortalecer a economia local
Toda essa modernização melhora experiência de clientes e equipe, mas o principal é servir à missão maior do brechó, diz Green: “Nossos fluxos de resíduos — construção, orgânicos, domésticos — iriam para o lixo. Cada iniciativa cria soluções, gera empregos locais e mantém o dinheiro circulando na comunidade, em vez de ir para grandes redes.”
A Thriftly quer tornar tudo isso mais eficiente e lucrativo. Downard planeja, por exemplo, que o QR da etiqueta mostre ao cliente as comparações de preço usadas, possibilite compartilhar nas redes ou até fazer self‑checkout direto no celular.
Assim, com a ajuda da IA, um brechó no Brooklyn mostra que é possível aumentar vendas, reduzir desperdício e impulsionar impactos sociais e ambientais — preço por preço, etiqueta por etiqueta.
Imagem: Retail TouchPoints
Informações: Nicole Silberstein para Retail TouchPoints
Tradução livre: Central do Varejo