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95% dos alunos saem do Ensino Médio sem saber matemática. Como isso impacta suas vidas?

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Matemática

Recentemente, li essa notícia de que 95% dos estudantes de escolas públicas saem do Ensino Médio sem o conhecimento esperado sobre matemática, segundo os dados do Sistema de Avaliação do Ensino Médio (Saeb) e, embora não tenha me surpreendido, esse dado me assustou. Não fico surpreendido pois, com três décadas trabalhando no Kumon com educação e especificamente com o ensino de matemática, sei bem o quanto o sistema educacional brasileiro não consegue fazer com que os estudantes absorvam o conteúdo da disciplina. Os resultados pífios nos exames de avaliação já vêm de longa data, mesmo com diversos planos e estratégias já tentadas para mudar esse quadro – e alguns bons exemplos que mostram como é possível fazer diferente, mas que não conseguem ser reproduzidos em escala.

Mas, mesmo assim, saber que só 5% dos formados no Ensino Médio conseguem resolver problemas usando probabilidade ou com o Teorema de Pitágoras, por exemplo, assusta. Ainda mais preocupante, esse resultado foi obtido nas provas realizadas em 2019, portanto antes da pandemia, em que os alunos ficaram praticamente um ano com as escolas fechadas e o ensino remoto em muitos casos insuficiente. E a matemática é particularmente difícil de ser ensinada no remoto, embora os recursos tecnológicos ajudem bastante na didática. Mas, como disse o coordenador da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), Claudio Landim na matéria, é essencial que o professor esteja ao lado do aluno, estimulando. Assim, até em escolas particularidades de elite, temas como geometria foram retirados do currículo, pois não se encontrou uma forma adequadas de ensiná-los pelo online.

Isto porque, sejamos honestos, os temas de matemática no Ensino Médio não são fáceis. Nessa etapa do ensino se adentra em tópicos mais complexos, e o estudante já chega do Ensino Fundamental com defasagens nos tópicos mais básicos, e assustados. A matemática exige um raciocínio abstrato e muitas vezes é difícil dar tangibilidade para aqueles conceitos. Por isso, muitos jovens passam pelo Ensino Médio desinteressados em aprender matemática, pois acham que nunca vão usar aquilo na vida adulta, principalmente se seguirem carreiras onde conhecimentos matemáticos não são relevantes. Por isso, acredito muito que um caminho promissor para reverter esse grande déficit no aprendizado de matemática passa por mostrar, desde cedo, como o aluno vai usar aquele conhecimento na vida prática, dentro e fora do trabalho. Esses jovens que saem da escola com baixo conhecimento em matemática vão ter uma vida mais difícil por causa disso, em diversos aspectos.

Para ilustrar, posso citar 10 exemplos práticos da utilidade dos conhecimentos matemáticos na vida cotidiana:

  1. Finanças Pessoais: Calcular orçamentos, planejar investimentos e entender juros são habilidades matemáticas essenciais para gerenciar finanças pessoais.
  2. Cozinha: Medir ingredientes, ajustar proporções em receitas e entender temperaturas são aspectos matemáticos presentes ao cozinhar.
  3. Compras: Comparar preços, calcular descontos e entender porcentagens auxiliam na tomada de decisões inteligentes durante as compras.
  4. Tempo e Planejamento: Calcular tempos de viagem, criar cronogramas e gerenciar tarefas diárias envolvem conceitos matemáticos básicos.
  5. Viagens: Converter moedas, calcular distâncias e interpretar mapas são aplicações práticas de matemática durante viagens.
  6. Saúde: Entender doses de medicamentos, interpretar informações nutricionais e monitorar parâmetros de saúde envolvem conhecimentos matemáticos.
  7. Decoração: Medir espaços, calcular proporções e ajustar layouts são atividades em que a matemática é útil ao decorar ambientes.
  8. Construção e Reparos: Planejar projetos de construção, calcular materiais necessários e interpretar medidas são habilidades matemáticas cruciais.
  9. Transporte: Calcular distâncias, interpretar horários de transporte público e entender consumo de combustível são aspectos matemáticos em deslocamentos diários.
  10. Crescimento Financeiro: Investir, entender taxas de retorno e calcular ganhos ao longo do tempo são aplicações matemáticas fundamentais para o crescimento financeiro a longo prazo.

Estes são só alguns exemplos. Pesquisando para esse artigo, também encontrei o site Onde você usa trigonometria na vida real?, que explica várias aplicações práticas da trigonometria. Claro que algumas pessoas que saíram da escola sem o conhecimento adequado conseguem fazer algumas dessas coisas de forma empírica, na base da tentativa e erro, mas teriam muito mais facilidade se tivessem absorvido o conteúdo teórico da disciplina.

Currículo deve ensinar a resolver operações “de cabeça”

Costumo falar que a Matemática é uma ferramenta, como uma tesoura, um alicate, uma chave de fenda. Ela serve para resolvermos problemas, não tem utilidade por si, apenas se soubermos utilizá-las com bastante prática. Por isso é importante que, além de ter noção de matemática, termos domínio para poder utilizar no nosso dia a dia e resolvermos os nossos problemas. Por exemplo, se desejar comparar preços nos supermercados, como cita o item 3, a pessoa não conseguirá utilizar a matemática se ela tem apenas uma noção das quatro operações básicas. Se a pessoa precisar contar nos dedos, montar a operação no papel, não conseguirá utilizar esse ralo conhecimento de matemática par resolver seu problema. É necessário executar as operações mentalmente, senão é como ter uma tesoura e não saber como utilizá-la para cortar o papel que necessita cortar.

Muitas pessoas pensam que as crianças não precisam desenvolver cálculo mental, que basta saber somar ou subtrair contando nos dedos. Isso é não entender o real significado da Matemática. E os métodos tradicionais de ensino da disciplina que até hoje são utilizados na maioria das escolas do Brasil também é deficiente para ensinar de forma prática e tangível e capacitar o aluno para realizar as operações e cálculos mentalmente.

Como disse, já temos bons exemplos, inclusive no Brasil, e o método de ensino utilizado em Cingapura, que consistentemente lidera os rankings de aprendizagem em matemática, partem justamente de exemplos concretos e tangíveis, da vida real, para ensinar conceitos matemáticos.

Mudar os números vergonhosos do Brasil nesta área passa por pegar esses bons exemplos e incorporá-los à Base Nacional Curricular, para que ganhem de fato escala e todo estudante brasileiro tenha assegurado o seu direito de adquirir esses conhecimentos essenciais para a vida, e cada vez mais importantes no mundo profissional. A mudança também passa por repensar a formação docente. Os cursos de Pedagogia, que formam os professores que acompanham os alunos nas cruciais primeiras etapas do ensino, dão pouca atenção a capacitar os futuros professores a despertarem o interesse das crianças na matéria e estimulá-los. Já as Licenciaturas em Matemática, que formam os futuros professores do Ensino Médio, têm um currículo pesado na teoria, mas que deixa a didática em segundo plano.

O desafio é grande, mas pode ser vencido!

Imagem: Envato



(*) Julio Segala
. Atua no franchising há 29 anos, graduado em Engenharia Elétrica, Matemática e Física, Mestre em Engenharia, Pós-Graduado em Gestão de Negócios, atualmente Vice-presidente de Operações no Kumon América do Sul, membro dos comitês de Micro franquias & Novos Modelos e Educação da ABF e instrutor dos programas de capacitação da ABF.