Colunistas

Carta aberta à transparência no franchising

Publicado

on

franchising; franquias; Sebrae e ABF

Essa semana nos deparamos com diversas matérias, posts, comentários e discussões sobre a franquia Cacau Show (maior franqueadora do Brasil com mais de 4.600 unidades).

Surgiram algumas denúncias, de problemas no relacionamento com Franqueados, e outros relacionados a assuntos internos da empresa, com seus colaboradores. 

Diversas manifestações criticando a marca.

Diversas manifestações defendendo a marca. 

A gestão de crise foi acionada, e acompanhamos o andamento desse assunto, de interesse de todos que são envolvidos no Franchising, bem como outras entidades nos assuntos relacionados, e também o consumidor, que está cada vez mais atento às práticas das empresas e como ele se relacionará com a marca a partir dessa percepção.

Já li diversos textos no Linkedin, redes sociais, grupos de Whatsapp, e canais de comunicação em geral, á respeito desse tema. Li a resposta inicial da empresa, e também observei um texto da entidade que suporte e fomenta o segmento, a ABF (Associação Brasileira de Franchising).

Manifestações de colaboradores, ex-colaboradores, fornecedores, franqueados, consultores, e especialistas do setor, que tem ou tiveram relação com a marca, devem ser respeitadas e interpretadas, para que todos possam ter seu próprio entendimento do caso.

Porém, tenho observado diversas manifestações de “influencers”, que desconhecem a marca e o segmento de Franquias , pegando carona no tema de forma oportunista, para ao invés de tecer apenas uma opinião (legítima a todos), aproveitam para criticar e fazer juízo de valor de algo, que aparentemente, desconhecem bastante. E isso está difícil para admitir, que tomem partido de um lado ou de outro, sem sequer conhecer a empresa, os stakeholders, o segmento, e a dinâmica que move o Franchising. 

Sem conhecimento de causa, peço encarecidamente, opinem, mas não julguem.

Com relação aos assuntos internos da empresa, na tratativa com colaboradores e seus processos internos, vou me abster de comentar, pois nunca trabalhei na empresa, e ainda não fiz análise e leitura de materiais suficiente para fazer juízo de valor. Com mais informações à frente, posso e devo dar minha opinião á respeito, mas vou aguardar. 

Com relação ao negócio como Franquia, e da relação Franqueado X Franqueador, na qual me considero um especialista, vou listar alguns itens aqui que podem ajudar a analisar as informações que circulam, para á partir daí, conseguir massa crítica para uma opinião e avaliação independente:

A LEI DO FRANCHISING NO BRASIL

Você sabia que existe uma Lei que direciona o Franchising no Brasil? 

Pois é , ela existe, é a Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994.  Alguns anos depois, ela foi atualizada através da Lei nº 13.966, de 26 de dezembro de 2019.

Eu poderia listar aqui os itens que rege essa lei, a diferença entre elas, mas isso pode ser feito através de uma rápida pesquisa no Google ou ChatGPT. 

O que quero abordar aqui é a questão da TRANSPARÊNCIA no Franchising, que foi um dos objetivos principais da criação da Lei de Franquias no Brasil. 

Vamos recorrer a história:

O Franchising no Brasil começou em meados da década de 70, com Yázigi e Fisk como marcas pioneiras, com O Boticário na sequência, que desencadearam em um “boom” do franchising no Brasil , na década de 80. 

O principal canal de comunicação das franqueadoras, eram feiras e eventos do setor, assim como reuniões das marcas com candidatos em hotéis e espaço de eventos, geralmente atingindo grandes públicos, até porque, era algo novo por aqui, com marcas nacionais e internacionais surgindo a todo momento.

Infelizmente, nem todos tinham o mesmo objetivo de crescer com o franchising, e como em todo segmento, apareceram os “picaretas” com o único objetivo de lesar outras pessoas através de fraudes e estelionatos. Assim, criavam uma marca, montavam um stand, materiais impressos vistosos, um bom script, modelos financeiros infalíveis, sentavam em uma mesa, assinavam um contrato, recebiam os “cheques” como pagamento da Taxa de Franquia (ou em dinheiro, que não era incomum), e quando o candidato que acreditava ter feito um ótimo negócio tentava encontrar essa “franqueadora” , não localizava mais. Isso mesmo, muitas empresas “sumiam”, deixando muita gente lesada e prejuízos pelo caminho.

Sendo assim e não somente com essas práticas indevidas, o “bom” franchising através de alguns pioneiros, se reuniram e discutiram formas de tentar barrar essas práticas que poderiam acabar com o Franchising no Brasil, que ainda tinha um grande caminho pela frente. 

Uma das formas encontradas foi tentar aprovar uma Lei que “protegesse” o sistema, que ajudasse franqueados e franqueadores e se entenderem antes de se tornarem parceiros, e algo que iria regrar a relação durante o tempo de contrato constituído.

Nasceu assim a Lei do Franchising em 1991. E que atualizada em 2019, tem alguns pontos que vão de encontro a “TRANSPARÊNCIA”, objeto principal desse artigo, sendo algumas delas:

  • Resumo da história da empresa
  • Balanço contábil da Franqueadora
  • Lista de Franqueados da marca
  • Lista de Ex-franqueados da marca
  • Lista de fornecedores da rede
  • Detalhes de Processos judiciais em andamento tendo a franqueadora como parte relacionada
  • Território da franquia
  • Taxas de pagamentos
  • Suporte
  • Multas e sanções
  • O que pode e o que Não pode
  • Locação de Ponto Comercial 
  • Sucessão e Encerramento de Contrato

Esses são apenas alguns itens de uma lei que tem 11 artigos, mas bastante detalhada, exigindo transparência na entrega de dados da Franqueadora ao Candidato, antes que esse se torne Franqueado de fato.

Você sabia que, mesmo que um candidato queira assinar Contrato e pagar Taxa de Franquia de imediato, ao conhecer uma franquia, em Feira, evento ou na sede da Franqueadora, ele não pode, por lei? No mínimo, o candidato tem 10 dias ao receber um instrumento chamado COF (Circular de Oferta de Franquia), com todas as informações exigidas pela Lei de Franquia, antes de assinar ou pagar algo para a franqueadora? No mínimo 10 dias, ou seja, o candidato pode levar 20, 30, 40 dias, ou mais, para analisar o negócio e definir se vai seguir no projeto ou não. Mas antes de 10 dias, não pode pagar nem assinar nada. Tem que ter tempo hábil para se aprofundar na análise, antes da tomada de decisão.

E todos os candidatos de fato analisam a COF? Um instrumento tão detalhado, que muitas vezes supera 100 páginas? Fica aqui a pergunta em aberto.

E todos os candidatos, pegam a lista de franqueados da COF, e ligam para alguns para saber como performa a Franquia? E como é a relação Franqueado X Franqueador?

E todos os candidatos, ligam para Ex-franqueados (com telefone na COF) e perguntam o que não deu certo, que fez com que saíssem da rede, ou fechassem as portas?

E, todos os candidatos olham os processos que correm contra a franqueadora? Ou da Franqueadora processando Franqueados?

E, todos os candidatos analisam o simulador Financeiro da franquia, para entender a viabilidade técnica do negócio, e se cabe na sua realidade e no seu bolso?

E, todos os candidatos analisam o Balanço patrimonial da franqueadora, para saber se é uma empresa saudável financeiramente?

Na década de 80, eu era um garoto, mas leio e conheço a história do Franchising. Na década de 90 dava meus primeiros passos no mundo profissional, e operei no Franchising “analógico” durante os anos 2000, 2010, até que o Digital e a internet tomassem conta.

Até entendo que há 10, 20, 30 anos atrás, as pessoas tinham dificuldade de acesso à informação. Apesar a Lei de franquias ser de 1991, ainda assim era difícil buscar informações fora da COF, para tirar conclusões e análises. Sem Youtube, sem Google, sem redes sociais, ou essas ainda engatinhando, mesmo com a Lei, não era fácil ter informações suficiente para mitigar os riscos ao investir em Franquia.

Mas já há algum tempo, temos informações á vontade, até mesmo excesso de informações, para análise de um negócio de franquia. Além da COF, os vídeos, textos, livros, reportagens, redes sociais, pesquisas , feiras, eventos, sites, blogs, tem bastante ponto de contato para tomada de decisão.

Uma empresa fundada em 1988, que opera no Franchising desde 2004, e que talvez seja a Franquia que mais recebe LEADS ( Candidatos) espontâneos para se tornarem franqueados, com mais de 4660 franquias, e provavelmente mais de 2500 franqueados, entendo ser possível fazer análises, contatos, visitas, e ter massa crítica para tomar uma decisão de se tornar ou não franqueado (estou falando da Cacau Show).

Será que existem tantos problemas assim na relação Franqueado x Franqueador, na capilaridade ou no modelo de negócio, que justifiquem tamanhas críticas à empresa nesse atual momento? Será que isso aconteceu da noite para o dia ? 

Se mesmo com tantos problemas (apontados nas denúncias e reportagens), a marca continua sendo alvo primário da expansão de tantos candidatos, isso faz sentido? Se fosse um negócio ruim, se não fosse viável financeiramente, ou até mesmo um negócio desleal, teria tanta gente interessada assim, crescendo e batendo recordes de vendas e Expansão de unidades?

Quem está errado afinal? 

Quem investe na marca, desavisado, apesar de tantas informações disponíveis no mercado e na COF, ou quem investe na marca com conhecimento de causa, e depois se arrepende porque o negócio de varejo é desgastante, sazonal, difícil de operar, com concorrência, com necessidade de capital de giro, planejamento, busca por conhecimento financeiro, e que algumas vezes não gera a “independência financeira” que muitos buscam (mas que para isso, precisar trabalhar mais do que quando era empregado).

A TRANSPARÊNCIA é obrigatória no Franchising, assim como a análise dos instrumentos jurídicos. Se uma das partes não cumpre isso, a frustração é certa, e não tem “coitadinho” nessa relação, ambos têm instrumentos para fazer a análise devida e tomar uma decisão. 

Afinal, existe um “processo seletivo de mão dupla”, ou seja, a Franqueadora faz a análise do franqueado para saber se quer ele como representante da marca, e o Franqueado faz análise da Franqueadora para saber se quer representa-la e ser parceiro, muitas vezes de longa data, pois os contratos são de 5, 10, 15, 20 anos, as relações costumam ser bastante duradouras, e difíceis , claro, como em qualquer relacionamento longo.

Reflita sobre isso, você Franqueador, e você que quer ser Franqueado.

 A TRANSPARÊNCIA está regendo essa relação desde o início? Se positivo, ótimo. Se negativo, Pesquisa de Satisfação, NPS e mudança de rumo são necessárias, com brevidade, para o bem de nosso sistema. 

Leia também: Dicas práticas para escolher o melhor perfil de candidato para minha franquia

Imagem: Envato


Ivan Ferreira*Ivan Ferreira é COO da Holding de franquias Japp, de João Appolinário, com as marcas de franquias Decor Colors, Polishop, Mega Studio, Wise Home e outras. É consultor de franquias e varejo com MBA de franquias da FIA/ABF, além de especialista em análise de franqueabilidade e canais, formatação e gestão. Master Franqueado de uma rede de açaí, também já contribuiu com os Comitês de BI, Moda, Food Service e Expansão da ABF.

Continue Reading
Comente aqui

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *