Colunistas
Mais perto da tecnologia, mais distante do humano
Softwares avançados de gestão, inteligência artificial generativa e chatbots, buscadores, streamings e redes sociais próprias. As franqueadoras, cada vez mais, avançam para apresentar novidades em tecnologia e se mostrarem up to date com a modernidade, afinal, ninguém quer perder tempo ou ficar para trás num mercado tão feroz e competitivo. Mas, quando se trata das relações humanas, o número de conflitos com franqueados cresce a cada dia. Por que vivemos um momento tão controverso?
O franchising é um sistema de gestão de pessoas. Ao conceder a sua marca e transferir know-how, o franqueador o faz para outros empresários, que trazem experiências profissionais e de vida em suas bagagens. Eles levam a marca para cidades – e bairros – com condições adversas, apresentando-a a clientes que também têm suas histórias, costumes e expectativas tão variadas quanto as próprias características do povo brasileiro.
Assim, sabemos que basta caminharmos poucas quadras para que uma loja da Cacau Show, O Boticário, McDonald’s, Hering, CNA ou qualquer outra franquia tenha público, ticket médio e padrão de consumo completamente diferente da outra. Por que, então, o franqueado precisaria se comportar da mesma forma? Mais do que isso: o mesmo comportamento traria um bom resultado para lojas de perfis e mercados distintos?
E é justamente deixando de se aprofundar nessa flexibilidade natural do franchising que as franqueadoras erram na hora de se relacionarem com seus franqueados. É na busca incansável do avanço tecnológico que se deixa de olhar o humano, o que realmente precisa de atenção, se perdendo, dessa forma, a própria essência da relação.
Vamos a um exemplo comum.
Um franqueado reclama de baixo faturamento e, em seguida, deixa de pagar os royalties. Esse descontentamento é levado da consultoria de negócios à equipe de gestão da franqueadora, que geralmente tem um ‘roteiro padrão’ de ações para tentar solucionar o problema que o franqueado lhe está causando. Dando certo, vida que segue. Dando errado, inicia-se o caminho do confronto. E é exatamente aí, no momento que surgem as dificuldades do franqueado, que a franqueadora deve compartilhar a sua experiência, por meio de uma equipe treinada e capacitada a pensar junto, a identificar as causas, a entender o histórico do franqueado e a atuar para criar soluções integradas e pacificas, que proporcionem a continuidade do negócio. E isso é possível, desde que exista uma intenção concreta, uma dedicação assídua e sejam aplicadas as estratégias corretas.
As melhores soluções não se encontram na rotulação, na incompreensão e no distanciamento do fraqueado. Ao contrário. No momento das dificuldades é preciso se praticar a escuta cuidadosa, a flexibilidade de julgamento e a empatia, procurando captar e entender o marco psicológico do parceiro.
As inteligências artificiais são um caminho sem volta e surgiram para facilitar o dia a dia e tornar as empresas mais ágeis e competitivas. No franchising, elas podem dar às equipes o tempo que lhes falta para pensar no humano, investir no entendimento dos sentimentos que envolvem as relações e criar ferramentas que os capacitem a lidar com a raiz dos problemas. É o Franchising Consciente em ação. É o futuro que o sistema precisa para ser cada vez mais duradouro e sustentável.
*Melitha Novoa Prado é advogada especializada em Franchising e Varejo, com 35 anos de trabalho junto às maiores e mais bem-sucedidas franqueadoras brasileiras.