Comportamento
Ir à terapia como quem vai à academia: como o The Self Space está redefinindo o “terceiro lugar”
Já perdi a conta de quantas vezes fui a Londres, mas sempre vou com o mesmo entusiasmo de quem conhece os cantos da casa, mas mantém o olhar fresco de um iniciante. Há mil e uma coisas novas acontecendo e volto sempre com a bagagem mais cheia do que a levei… mas daquela que não pesa no check-in. 😊
Foi o que aconteceu quando, em um passeio pelo mais recente espaço de Coal Drops Yard, me deparei com uma vitrine que, de imediato, me cativou. Havia ali algo de diferente, uma estética acolhedora e empática que contrastava com o ritmo acelerado da região.

Apesar de a porta estar fechada, quando vi uma pessoa se aproximar, a curiosidade venceu: pedi para entrar e ver de perto esse espaço que, por si só, já transmite calma, conforto e uma sensação quase imediata de relaxamento. A partir daí, ficou claro que eu não estava apenas diante de mais um espaço comercial, mas de uma nova forma de pensar sobre saúde mental.

De fato, o The Self Space surge com uma visão refrescante para democratizar o acesso aos cuidados de saúde mental. Fundado em 2018 por Jodie Cariss e Chance Marshall, o projeto nasceu da convicção de que o cuidado psicológico não deveria estar confinado a espaços clínicos tradicionais ou a situações de emergência, mas sim se tornar parte da manutenção habitual do bem-estar, assim como cuidar do corpo ou da alimentação.
O propósito e o conceito são claros: democratizar o acesso à terapia psicológica, eliminando obstáculos como filas de espera, burocracias ou horários rígidos.
Mas, para compreender melhor o que os orienta, aqui estão alguns princípios:
“Everyday mental maintenance”
A ideia é que não precisemos estar “no fundo do poço” ou em crise para ir à terapia. Assim como vamos à academia para manter o corpo em forma, pode-se ir ao Self Space para a “manutenção” da mente.
Eles apresentam a terapia como algo normalizado, útil tanto para momentos difíceis quanto para o simples desejo de autoconhecimento ou equilíbrio emocional. É preventiva e proativa.
Terapia on-demand
É o primeiro serviço de saúde mental que funciona por agendamento direto ou até por walk-in (se houver vaga), oferecendo terapia de forma simples, acessível, descomplicada e disponível todos os dias.
Sem burocracia: não são necessárias avaliações médicas prévias;
Flexibilidade: é possível agendar sessões de 30 ou 50 minutos, online ou presenciais.
Horários: funcionam 7 dias por semana, das 7h30 às 21h30, para se encaixar na rotina de quem trabalha.
O espaço físico
O Self Space levou a saúde mental para o contexto urbano de Londres, com espaços que quase se confundem com lojas de móveis, decoração ou uma cafeteria de estilo escandinavo. E faz sentido: a ideia é nos sentirmos em casa, e não em um ambiente frio de consultório. Os espaços são descolados, com cores vibrantes, decoração convidativa e inspiradora, poltronas com um design que nos faz sentir confortáveis.
Linguagem descomplicada
A marca combate o estigma por meio do humor e de uma comunicação leve. Um dos serviços populares é o “Mental MOT”: uma sessão única para fazer um check-up do seu estado emocional. O termo é uma marca registrada (MOT é a sigla da inspeção obrigatória de carros no Reino Unido), reforçando a ideia de “fazer a revisão” da mente.
Com esse propósito, o The Self Space rapidamente se expandiu: seu primeiro espaço ficava em um pequeno ateliê em Shoreditch, mas cresceu ao longo dos anos para incluir várias localizações em Londres.
Eles oferecem sessões individuais, de casal, familiares e para estudantes, além de uma “free taster session” para quem quer experimentar sem compromisso.
A equipe é diversa, com terapeutas de múltiplas abordagens e especialidades, facilitando o “matching” certo para cada necessidade. Paralelamente, há uma vertente corporativa robusta, com programas de saúde mental para empresas, workshops, psicoeducação e formação para líderes.
Também desenvolvem eventos comunitários, como walk clubs, book clubs e encontros sociais, que estimulam o envolvimento e o apoio emocional em uma sociedade em que a solidão urbana cresce.

Esse modelo responde diretamente a inúmeras tendências que explicam seu sucesso:
Desestigmatização da saúde mental
A terapia deixou de ser vista como um recurso exclusivo para momentos de crise. Cada vez mais consumidores buscam apoio psicológico preventivo, de autodesenvolvimento e bem-estar emocional, e o The Self Space capitaliza essa mudança cultural ao apresentar a terapia como “manutenção mental”, tão normal quanto ir à academia.
Busca por conveniência e acessibilidade
Os modelos tradicionais, com listas de espera e horários restritos, já não atendem às expectativas. O ritmo de vida urbano exige serviços flexíveis, rápidos e sem burocracia. O formato on-demand, com agendamento simples e sessões disponíveis, geralmente no mesmo dia, se ajusta ao estilo de vida atual.
Expansão do wellness
O bem-estar deixou de ser tratado apenas sob a perspectiva física (nutrição, exercício) e passou a integrar uma dimensão mais holística, com o componente emocional e mental. Os consumidores buscam experiências completas de bem-estar, que combinem autocuidado, saúde emocional e conexão interior, e esse conceito se posiciona como parte natural dessa “rotina de autocuidado”.
Busca por espaços seguros e esteticamente acolhedores
Ambientes minimalistas, calmos e sensoriais estão em alta, pois contribuem para a sensação de bem-estar. A estética do The Self Space, com vitrines abertas, luz suave e mobiliário aconchegante, reflete a tendência do “design emocional”, em que o espaço físico não é apenas decorativo, mas também funcional no campo das emoções.
Necessidade crescente de comunidade e conexão social
A solidão urbana é reconhecida como um problema crescente nas grandes cidades. As pessoas buscam espaços onde se sintam vistas, acolhidas e conectadas. As iniciativas do The Self Space respondem exatamente a essa busca por pertencimento e troca.
Aumento da preocupação com o bem-estar mental no mundo corporativo
As empresas reconhecem que colaboradores emocionalmente equilibrados têm melhor desempenho, maior retenção e menos burnouts, e por isso programas estruturados de saúde mental se tornaram prioridade. O The Self Space oferece soluções específicas para o ambiente profissional, alinhando-se à tendência de “wellbeing at work”.
Digitalização e modelo híbrido como nova norma
A combinação de sessões presenciais e online acompanha a tendência de serviços híbridos no pós-pandemia. Os consumidores valorizam a liberdade de escolher entre a proximidade física e a conveniência digital.
Essa imersão em Londres mostrou como o varejo tem a oportunidade de se tornar um novo “terceiro lugar”, aquele ponto de encontro entre a casa e o trabalho, onde mente e corpo podem recarregar. Como o varejo tradicional pode adicionar essa camada de bem-estar emocional aos seus espaços físicos? Marcas de referência já estão desenhando essa dimensão emocional: na Glossier, que concebe suas lojas como destinos de experiência, onde a famosa sala de espelhos convida ao registro de um momento de descontração e os sofás estrategicamente posicionados garantem que o acompanhante se sinta parte, e não um entrave à compra; na Petco, que evoluiu de uma simples loja de animais para um ecossistema de cuidado, em que quadros na parede e murais de fotografias polaroid humanizam o espaço, transformando a transação fria em uma extensão do conforto das nossas casas; ou até na resposta social dos supermercados holandeses Jumbo, com suas “Kletskassa” (caixas lentos), criadas especificamente para oferecer qualidade de tempo e atenção a quem enfrenta a solidão no momento de pagar as compras.
Quando o produto corre o risco de se tornar uma commodity, a forma como nos sentimos nas lojas é hoje um diferencial decisivo. Que versões de “Self Space” ainda podem ser criadas?
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Imagens: Elisabete Galiano

*Elisabete Galiano é formada em Gestão e conta com mais de 18 anos de experiência em Marketing no setor de FMCG (Fast Moving Consumer Goods). É Head of Strategic Plant Based Food Category na Sumol Compal, empresa líder no mercado de bebidas não alcoólicas em Portugal. Reside em Lisboa e tem um interesse especial por marcas, inovação e tendências.
