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Como o setor supermercadista vem enfrentando o problema do desperdício de alimentos
Presidente da Associação dos Supermercados do Rio de Janeiro explica como o setor tem lidado com o problema que atormenta o Brasil e o mundo
O desperdício de alimentos é um problema de larga escala tanto no setor supermercadista, quanto fora dele: no mundo, estima-se que cerca de 30% dos alimentos produzidos sejam desperdiçados ou perdidos em um ano. Essa perda chega a 1,3 bilhão de toneladas, por volta de 77 milhões de toneladas só na América Latina. No Brasil, o cenário se repete. O IBGE estima que os mesmos 30% dos alimentos produzidos no país sejam desperdiçados, o que significa cerca de 46 milhões de toneladas.
Ao mesmo tempo, a ONU estima que 21,1 milhões de pessoas passaram pelo estado de insegurança alimentar grave em 2022, estágio que é caracterizado pela fome. Dessa forma, debates têm sido promovidos e iniciativas tomadas para lidar com esse cenário desigual e improdutivo, em que grande parte do que é gerado é perdido.
Diante disso, o Presidente da Associação dos Supermercados do Rio de Janeiro (ASSERJ), Fábio Queiróz, explica como o setor supermercadista tem lidado com o combate ao desperdício de alimentos. Acompanhe a entrevista:
- Qual é o impacto do desperdício de alimentos para a economia da empresa?
O desperdício de alimentos pode impactar significativamente na economia dos supermercados e representa uma perda direta de investimentos em matéria-prima, produção, transporte e armazenamento. Isso aumenta os custos operacionais dos supermercados, reduzindo suas margens de lucro. Descartar alimentos não consumidos também implica custos adicionais, incluindo custos associados ao transporte e à eliminação adequada dos resíduos. Esses custos podem somar-se rapidamente, impactando os resultados financeiros dos supermercados. Além dos custos financeiros diretos, o desperdício de alimentos contribui para questões ambientais. O cultivo, produção e transporte de alimentos envolvem recursos significativos, como água e energia. Quando esses alimentos são desperdiçados, esses recursos também são perdidos, adicionando um impacto econômico e ambiental. A falta de cuidado com os alimentos também pode afetar a cadeia de suprimentos, especialmente se os supermercados cancelarem pedidos ou devolverem grandes quantidades de produtos perecíveis aos fornecedores. Isso pode resultar em custos adicionais para os fornecedores.
O desperdício de alimentos tem implicações econômicas substanciais para os supermercados, afetando os custos operacionais, a receita e a eficiência da cadeia de suprimentos. Reduzir o desperdício não apenas beneficia o meio ambiente, mas também é uma medida econômica necessária para o setor.
- Como o setor supermercadista gerencia seu estoque para reduzir a perda de alimentos?
Muitos supermercados têm implementado sistemas avançados de gestão de estoque, usando tecnologias como RFID – tecnologia presente na leitura de etiquetas – e softwares de previsão de demanda para otimizar os níveis de inventário. Isso ajuda a minimizar excessos e garantir uma oferta alinhada à demanda. Esse é um passo importante que irá prevenir as perdas.
Quando não é possível, o setor supermercadista e o varejo adotam e promovem iniciativas conscientes e sustentáveis que já fazem parte do dia a dia. O grupo Cencosud Brasil, por exemplo, doou cerca de 140 toneladas de alimentos entre os meses de janeiro e junho de 2023.
Além disso, para beneficiar milhares de organizações não-governamentais, cozinhas comunitárias, abrigos, orfanatos, asilos, 49 lojas das redes Bretas, GBarbosa e Prezunic doaram alimentos em bom estado de conservação. O grupo também ampliou sua rede logística por meio de parceria com a Infineat – plataforma que conecta supermercados até ONGs, permitindo acesso à alimentos -, alcançando mais comunidades e contribuindo para a redução da fome e do desperdício de alimentos, temas considerados prioritários na pauta mundial.
- Quais são as estratégias adotadas pelo setor supermercadisra para lidar com produtos próximos à data de vencimento?
O setor supermercadista frequentemente aplica descontos significativos em produtos prestes a expirar, incentivando os clientes a comprá-los antes que atinjam a data de vencimento. Isso reduz o desperdício e oferece oportunidades econômicas aos consumidores.
Em outra iniciativa, a rede Hortifruti Natural da Terra fez uma parceria com a startup Food to Save, cujo objetivo é combater o desperdício alimentar do varejo. Na iniciativa, são selecionados alimentos próximos ao vencimento, que já sairiam do ponto de venda pelo processo padrão da companhia, disponibilizados no aplicativo da Food to Save com 50% de desconto. O formato são sacolas surpresas, em que o cliente não sabe quais produtos irá receber. No caso do Hortifruti, as sacolas são anunciadas por categoria “Hortifruti”, que são FLVs ou “Supermercado”, que são produtos diversos de mercearia e laticínios. Atualmente, a solução está presente em 52 lojas. Esta iniciativa já ajudou a reverter o desperdício 32mil kg de alimentos e de 54mil kg de CO₂.
Outra iniciativa, destina aos bancos de alimentos, Mesa Brasil (RJ e ES) e o Prato Cheio (SP), com os quais a empresa mantém parcerias. Este ano, já foram doadas cerca de 26,5 toneladas de alimentos para 1.570 instituições auxiliadas por esses bancos, o que representa mais de 180 mil pessoas atendidas.
- Como os supermercados lidam com alimentos não vendidos ou excedentes?
O processo chamado de “Ciclo de Redução de Desperdício” começa internamente, com a atuação do CTI dos alimentos. Uma equipe especializada, formada por nutricionistas e profissionais dos pontos de venda, analisa o nível de maturidade dos FLVs (frutas, legumes e verduras) e separa aqueles que vão para as bancas nas lojas, daqueles que já estão adequados e maduros o suficiente para a produção de sucos frescos, sopas, saladas prontas, oferecidos aos clientes na Estação Natural. Diversos supermercadistas estabelecem parcerias com instituições beneficentes locais para doar alimentos não vendidos. Isso não apenas reduz o desperdício, mas também contribui para apoiar comunidades carentes. Um bom exemplo é o da rede Hortifruti Natural da Terra, que desenvolveu um sistema, integrado ao setor de prevenção de perdas, que organiza os processos internos de modo a eliminar o desperdício de alimentos.
- É possível, dentro da legislação e de acordo com a vigilância sanitária, doar esses alimentos excedentes?
Sim, em muitos lugares é possível e incentivado doar alimentos excedentes dentro dos parâmetros estabelecidos pela legislação e pelas autoridades de vigilância sanitária. Essas doações geralmente seguem diretrizes específicas para garantir a segurança alimentar e a qualidade dos produtos doados. É importante entrar em contato com as autoridades locais de vigilância sanitária para obter informações específicas sobre regulamentos e diretrizes em sua região, pois essas normas podem variar. Além disso, é aconselhável manter registros adequados das doações, incluindo informações sobre a origem, tipo e quantidade de alimentos doados.
- Na hora de comprar os alimentos, o que pode ser feito para evitar perdas e desperdícios?
Gestão de estoque eficiente, datação clara e promoções, parcerias com organizações de caridade, descontos em produtos próximos ao vencimento, treinamento dos funcionários, doação de produtos não vencidos, monitoramento de vendas e demanda, além de programas de redução de preços ao final do dia.
Pelo lado do consumidor, podemos evitar o “desperdício” na hora de comprar alimentos, envolve algumas práticas e estratégias que podem ajudar a minimizar o descarte desnecessário. Entre eles, podemos destacar pequenas atitudes: planejamento de refeições, lista de compras, atenção às promoções e ofertas, atenção ao prazo de validade, buscar moderação na hora de comprar produtos frescos, armazenamento adequado e avaliar bem a quantidade necessária.
Imagem: Envato