Colunistas
Ingerência e vínculo trabalhista no franchising: mitigação de riscos
Gostaria de abrir este texto mencionando não se tratar de um artigo jurídico, mas sim o compartilhamento de experiência prática. Na semana passada, o STF através do Ministro André Mendonça, cassou uma decisão do TRT da 2ª região sobre vínculo trabalhista de uma franqueada junto a uma franqueadora (Prudential- Seguros). Em resumo, uma franqueada com mais de 10 anos na rede e que, aparentemente, auferiu lucro no período, pediu vínculo trabalhista junto á franqueadora e, uma instância deu ganho de causa para a franqueada. O STF cassou essa decisão, alegando ter extensa jurisprudência sobre o tema, á favor das franqueadoras, mencionando principalmente a Lei de Franquia, que deixa claro a relação a ser firmada entre franqueados e franqueadores.
A Lei de Franquias foi promulgada em 15 de Dezembro de 1994, e foi um marco para o empreendedorismo no Brasil, e para o franchising em especial. Na época, o Brasil vinha de uma década de 80 bastante caótica (conhecida como década perdida), mas o franchising nascia ali no período de redemocratização, um país com promessa de liberdade e livre mercado, começando a se abrir para o mundo, então tanto marcas brasileiras como internacionais, começavam a buscar expansão por aqui através do modelo de franquias.
Um dos principais meios de divulgar franquias na época, era através de feiras e eventos, visto ainda não haver marketing digital e afins, e também através de revistas e impressos. Porém, como em todo negócio com crescimento rápido, bons empresários aproveitam o momento, mas também pessoas de má fé podem se aproveitar, e foi o que aconteceu.
Os visitantes das feiras de franquia, empolgados com as propostas “encantadoras” de lucros exorbitantes sendo donos de seu próprio negócio e com todo apoio e suporte de uma franqueadora, assinavam contratos de franquia nas feiras, pagavam a taxa de franquia (geralmente com cheque), e saiam de lá com a promessa de que em poucos dias sua franquia estaria pronta e operando com lucro. Após as feiras, e após fechar vários negócios e arrecadar valores vultuosos com taxas de franquias, essas empresas franqueadoras simplesmente sumiam, aplicando um golpe nos candidatos, e manchando a imagem do franchising.
Além disso, diversas outras formas de venda de franquias, confundindo com Licenciamento, Representação, Concessionários, se faziam presentes, causando um imbróglio jurídico e diversas ações na justiça, e mesmo o judiciário não sabia exatamente como lidar com aquela “nova” modalidade de relação entre PF e PJ, relação de consumo, código civil, responsabilidades e os papéis das partes.
Foi aí que um grupo de franqueadores, consultores e advogados envolvidos com o segmento, se reuniram para propor discussões para uma Lei que pudesse proteger o sistema e os principais atores envolvidos nele. A ABF (Associação Brasileira de Franchising) fundada em 07 de Julho de 1987, junto com seus membros, foi a consolidadora da discussão e do lobby junto ao congresso afim de propor uma Lei para o sistema, que foi aprovada em 1994.
Importante ressaltar que em 2019 a Lei 13.966 veio substituir e atualizar a de 1994, incluindo os principais desafios e atualizações desses 25 anos da Lei, e recomendo a leitura do antes e do depois, em especial para saber o que mudou com relação á 1ª versão.
Apesar de uma lei robusta e detalhada, que busca desmistificar o papel das partes no franchising, ainda existem diversos franqueados assessorados por escritórios jurídicos que se dizem “especializados”, tentando criar vínculo empregatício entre franqueados e franqueadores, ou tentando justificar algum eventual insucesso do franqueado, cobrando ressarcimento da franqueadora. Ressalto aqui, que existem SIM demandas legítimas, nem todos os franqueadores também cumprem a Lei de Franquias, deixando margem para serem contestados judicialmente, com prejuízos eventuais.
Mas, afinal , qual o “Papel das Partes” na relação entre franqueados e franqueadores, e como mitigar riscos nessa relação?
FRANQUEADOR
- Desenvolve o know-how para o modelo de negócios;
- Criar e atualiza produtos e serviços para a rede;
- Seleciona, treina e capacita franqueados (para replicar ás equipes);
- Determina as regras do negócio;
- Tem o domínio da marca e cuida de sua proteção;
- Investe no marketing institucional e campanhas promocionais;
- Faz o planejamento para o curto, médio e longo prazos;
- Desenvolve manuais, processos e KPIs de performance para o modelo;
- Presta consultoria ao franqueado e também auditoria;
- Dissemina boas práticas na rede entre os franqueados.
FRANQUEADOS
- Pesquisa e escolhe o negócio que vai operar (processo seletivo de mão dupla);
- Investe e reinveste no negócio;
- Aplica o marketing local;
- Seleciona equipe, treina e replica os procedimentos da franqueadora (multiplicador);
- Representa a marca localmente perante o público-alvo;
- Busca, atende e amplia a base de clientes do seu território;
- Opera e administra a unidade franqueada em todas as frentes;
- Cumpre as obrigações vinculantes ao negócios perante os órgãos públicos e fiscalizadores, bem como tributários, trabalhistas, legais, sanitários, entre outros;
- Participa ativamente de eventos, reuniões, treinamentos e engajamento com a rede;
- Compartilha informações com a franqueadora, com franqueados e com candidatos dos sistema.
Ficando os papéis claros, desde antes de assinarem qualquer contrato, o que chamo de “ALINHAMENTO DE EXPECTATIVAS”, provavelmente a relação será mais duradoura e sadia.
Gosto e faz sentido para mim, a frase que diz “QUANDO AS EXPECTATIVAS SÃO ALINHADAS, NÃO HÁ FRUSTRAÇÃO”. Faria uma pequena correção para “… REDUZ-SE A FRUSTAÇÃO”, pois em qualquer relação entre partes, existem fases boas e ruins, altos e baixos, mas o importante é que as partes tenham “OBJETIVOS COMUNS”, daí quando sentam a mesa, geralmente, resolvem os pontos e próximos passos.
Deixando claro o “PAPEL DAS PARTES”, é evidente que a franqueadora tem papel importante no sucesso do negócios, pois determina diversos itens estratégicos do modelo. Porém, ela escolheu o modelo de franquia para fazer a expansão, e então buscou um “PARCEIRO”, um “EMPRESÁRIO” para disseminar e operar o seu modelo de negócio de sucesso em escala regional, nacional ou internacional.
Sendo assim, após selecionar o franqueado ideal, dentro do perfil que traçou, a franqueadora deve estabelecer os perfis das equipes a serem contratadas, tipo de ponto comercial, região, tabela comercial, entre outros. Porém, quem deve “APLICAR” o modelo naquela franquia, de acordo com os manuais e modelo apresentado, é o FRANQUEADO.
Na prática, isso significa que a franqueadora não pode selecionar equipe pelo franqueado, dar ordens diretas a membros das equipes, mudar processos internos, determinar cargos e salários ou premiações, contratar ou demitir, em nome do franqueado. A franqueadora deve focar sua orientação sempre no franqueado, ou a quem ele designar, mas sem ingerência, sempre com postura de consultora e orientadora, sem ordens diretas. Caso identifique discrepâncias ou procedimentos equivocados, bem como venda de produtos ou serviços não homologados, deve direcionar notificação ao franqueado, e nunca para a equipe do mesmo.
Além da questão da ingerência, um outro ponto de atenção está relacionado ao sucesso do negócio. Tudo que a franqueadora faz é baseado na média e experiência com outras operações próprias ou franqueadas, replicando o que tem dado certo, e corrigindo o que está dando errado. Nenhuma franqueadora deve apresentar “PROMESSA DE RESULTADO” para candidatos de franquia, e sim números médios das operações similares.
O franqueado deve saber que todo e qualquer negócio tem algum risco. Em geral, as franquias tem “menos” risco do que negócios independentes, porque é um modelo testado diversas vezes. Mas não há negócio sem risco.
A franqueadora deve estar sempre atenta a decisões que interferem no modelo financeiro do negócio e que pode causar algum desequilíbrio financeiro á franquia. Ou seja, apesar de ter a “caneta” para tomar as decisões estratégicas do negócio, deve ter cuidado ao orientar o franqueado sobre decisões que envolvem investimentos financeiros, como locação de imóvel, pagamento de luvas, pagamento de salários e premiações, fluxo de caixa, investimentos em marketing, etc.
A franqueadora tem sim a prerrogativa de orientar e compartilhar dados em todas as frentes do negócio, em especial dados de operações em andamento, que sinalizem caminhos para bons resultados financeiros. Mas a contratação e decisão final é do franqueado, não podendo o franqueador se comprometer diretamente com investimentos ou despesas em nome do franqueado.
É uma linha tênue entre “orientar” , “padronizar” e “homologar”, mas ao mesmo tempo deixar claro ao franqueado que a operação e o sucesso do negócio são dele, e o mesmo deve avaliar os riscos e tomar as decisões financeiras e com equipes sendo diretamente responsável pelo sucesso do negócio, pois afinal, é ele quem atende os clientes, relaciona com fornecedores e lidera as equipes.
Aos candidatos, minha dica é ler detalhadamente a COF (Circular de Oferta de Franquias), visitar franquias como cliente e conversar com franqueados ativos antes de se tornar franqueado.
Aos franqueados, minha dica é para que o mesmo leia um pouco sobre o “PAPEL DAS PARTES”, assuma as suas responsabilidades e discuta ou cobre do franqueador os temas que não estão sob sua gestão. E, participe ativamente das soluções, e não somente dos problemas, lembrando que também faz parte do ecossistema e representa a marca na sua região de atuação.
Aos franqueadores, minha dica é escrever bem a COF e apresentação aos candidatos, ter manuais e procedimentos claros, testar os novos produtos, sistemas e serviços antes de disseminar na rede, e ter bastante atenção a decisões que interferem no modelo de negócio, em especial aos que tem impacto financeiro no caixa da franquia.
A relação “GANHA-GANHA” deve prevalecer no modelo de franquias , pois:
NÃO EXISTE FRANQUEADORA FORTE, COM FRANQUEADO FRACO. E VICE-VERSA!
*Ivan Ferreira é COO da Holding de franquias Japp, de João Appolinário, com as marcas de franquias Decor Colors, Polishop, Mega Studio, Wise Home e outras. É consultor de franquias e varejo com MBA de franquias da FIA/ABF, além de especialista em análise de franqueabilidade e canais, formatação e gestão. Master Franqueado de uma rede de açaí, também já contribuiu com os Comitês de BI, Moda, Food Service e Expansão da ABF.