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Restaurante instalado em shopping center pode usar a sua cozinha para fazer delivery sob qualquer marca?

Já faz algum tempo que os operadores de restaurantes precisam complementar os seus faturamentos através dos serviços de entrega. Depois da pandemia essa realidade foi elevada à máxima potência. No que tange aos estabelecimentos situados em shopping centers, esse fato não é diferente.
Ou seja, hoje uma grande parte destes lojistas oferecem diretamente o serviço ou se utilizam das plataformas de delivery disponíveis.
Ademais, alguns restaurantes disponibilizam na internet serviços de entrega de mais de 01 marca e ramo alimentício, isto é, usam as suas cozinhas para preparar refeições de segmentos e/ou bandeiras variados.
Ocorre que alguns centros de compras entendem que tal prática configura infração contratual, passível de despejo e cobrança de multa, pautados na alegação de que os contratos de locação respectivos somente permitem que os lojistas trabalhem sob determinado nome e explorem certo cardápio. Vale salientar que há pedidos judiciais de despejo sob esse ângulo em andamento, mesmo na hipótese de a empresa locatária incluir no faturamento geral da loja as vendas oriundas dos serviços de entrega de marcas e ramos distintos, para fins de apuração do aluguel percentual. Até o momento não existe jurisprudência formada sobre o assunto.
Com efeito, salvo se o pacto locatício contiver cláusula expressa sobre o tema e devidamente justificada, não há que se falar em infringência ao contrato, visto que inexiste risco de prejuízo ao locador, que ainda irá receber o locativo variável competente (embora seja questionável o equilíbrio no cenário do lojista pagar o aluguel percentual sobre as vendas feitas por delivery, tendo em vista que não foi o shopping que trouxe o cliente e, ainda, à luz das altas taxas cobradas pelas plataformas digitais).
Ora, o objetivo da disposição contratual que restringe as mudanças da denominação do restaurante e do cardápio é unicamente para evitar o desvirtuamento dos “tenant mixes” dos empreendimentos, ou seja, a sua finalidade é manter o balanceamento eficiente das atividades dentro dos centros de compras e o funcionamento de operações sob as marcas com os perfis desejados à luz dos seus públicos-alvo.
Nessa linha, o lojista é livre para usar a sua cozinha a fim de oferecer refeições pela internet ou outros canais, afinal de contas é sua a posse do imóvel e não é admissível a intromissão do locador, com exceção de situações que envolverem a segurança. Os incisos I e II, do artigo 22, da Lei do Inquilinato, são cristalinos nesse sentido:
“Art. 22. O locador é obrigado a:
I – entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina;
II – garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado”;
Por fim, com o fito de prevenir eventuais litígios, recomenda-se que os lojistas negociem a inclusão de cláusula que permita o uso das cozinhas para preparar “refeições delivery” de segmentos e marcas diferentes dos autorizados no contrato de locação e, no mais, o ideal é que afastem o cômputo dessas vendas no aluguel percentual.
Imagem: Freepik
*Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Autor dos livros “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar”, São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising”, São Paulo, 2021, Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais, prefácio do Ministro Luiz Fux, na qualidade de colaborador. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Colunista do site “Central do Varejo” e do Portal “Sua Franquia”. Coordenador da Comissão de Expansão e Pontos Comerciais da ABF – Associação Brasileira de Franchising. Membro da Comissão de Franquias da OAB/SP. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) e em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atuou como Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ, MBA em Gestão em Franquias e Negócios do Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração e Pós-Graduação em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie.